19/04/2020 14:25
”Por tal razão, e por experiência própria, ouso afirmar, que o Brasil nada ganhará em criar rasuras nas relações com a China. Só terá a perder”
Numa hora em que se debate a importância das relações do Brasil com a China, recordo exitosa experiência que tive, conduzindo negociações políticas com a República Popular da China, na condição de então presidente (2002-2006) do Parlamento Latino (PARLATINO) .
Esclareça-se que o Parlamento Latino Americano (hoje instalado às margens do Canal do Panamá, em sede própria) funcionava à época em prédio cedido pelo governo na cidade de São Paulo. A instituição é um organismo internacional, fundado em 7 de dezembro de 1964, na cidade de Lima.
Possui Tratado de institucionalização, firmado desde 16 de novembro de 1987 e subscrito pelos governos e congressos nacionais da América Latina e do Caribe (inclusive o Brasil), tornando-o pessoa jurídica de direito público internacional. Um dos objetivos é a cooperação com parlamentos, governos e instituições mundiais.
Ao assumir a presidência, em 2002, expandi as relações da instituição com países e organismos internacionais (ONU, OMC, UCICEF, OIT e outros). Era uma forma de dar visibilidade política aos Congressos Nacionais da América Latina e Caribe, membros natos.
Percebi a exata dimensão da importância chinesa no mundo contemporâneo e em 12 de março de 2004 assinei, em nome do Parlamento Latino-Americano (PARLATINO), convênio de cooperação interinstitucional com o Comitê Permanente da Assembleia Popular Nacional da República Popular da China, através do qual os dois organismos acordaram em colaborar entre si no campo parlamentar e realizar intercâmbios, visitas recíprocas, atividades e projetos de cooperação de interesse comum, tais como, fóruns, seminários, conferências e também intercambiar informações, conhecimentos e experiências, em matéria política e de programas, projetos e atividades, em todos os âmbitos relacionados aos objetivos de cooperação, desenvolvimento e integração.
Anteriormente a assinatura do Acordo, o Parlatino foi procurado pela República de Taiwan, cujo parlamento desejava ser observador do Parlatino, com apoio de alguns países centro americanos. Em razão da existência do antagonismo político da China com Taiwan solicitei o pronunciamento da Mesa Diretora, em reunião realizada no dia 6 de dezembro de 2002, em São Paulo. Manifestei-me, na ocasião, com posição e voto favorável às relações com a República Popular da China, o que afinal foi vitorioso.
Percebi a exata dimensão da importância chinesa no mundo contemporâneo. Em razão disso foi firmado um Acordo de Cooperação, assinado em 12 de março de 2004, que tem vigência até hoje. Esse acordo permitiu relação de cooperação, através do sr. Wu Bangguo, então presidente da Assembleia Popular Nacional da China e segundo homem na linha do poder chinês.
O sr. Bangguo avançou na integração política com os parlamentos da América Latina, o que logo resultou no restabelecimento das relações diplomáticas da China com a Costa Rica e depois outros países da região. Tudo em função da parceria com o PARLATINO..
O acordo entre o Parlatino e a China viabilizou a “III Conferência Interparlamentar Latino-americana de Saúde”, realizada em SP. O tema central debatido foi “Medicina Tradicional e Complementar (MTC)”. A maior contribuição científica veio do médico Li Qiangou, ex-diretor do Hospital de Medicina Chinesa de Pequim e deputado da Assembleia Popular da China.
Posteriormente à iniciativa do Parlatino, iniciou-se na América Latina e Caribe a elaboração de legislação de proteção ao uso racional, nas redes públicas de saúde, da medicina tradicional complementar, com significativa redução de custos e aumento da eficiência curativa. Em 19 de setembro de 2006, o México aprovou lei específica neste sentido. Seguiram-se outros países adotando a mesma providencia na saúde pública.
Como resultado dessa Conferencia criei o grupo de trabalho bilateral para análise da “Medicina Tradicional, Alternativa Contemporânea” e possível aplicação na América Latina. O Dr. José Alejandro Almaguer González, do México, fez exposição e exaltou a iniciativa da cooperação com a China, onde a cura é feita apenas por agulhas, ervas, massagens e comida. Ele citou exemplo de hospital em Xangai, de 1800 leitos, em que 99% dos pacientes preferem a medicina tradicional chinesa e não a medicina moderna.
De tal forma, a cooperação do Parlatino com a China despertou interesse global, que em 3 de junho de 2005 fui convidado para um debate em Londres sobre o tema “China Estados Unidos e América Latina: relações Internacionais e Segurança”, promovido pela Universidade de Westminster e pelo Instituto para o Estudo das Américas, com o apoio da Universidade de Paris-Evry e a Escola de Economia de Paris (Delta) e do Real Instituto Elcano, de Madri e coordenado pela professora Celia Szusterman.
Em Londres debati juntamente com o jornal Richard Lapper, do Financial Times, os termos do acordo de cooperação então vigente entre o PARLATINO e a República Popular da China. Destaquei que uma das finalidades da instituição era priorizar o estabelecimento de relações entre organismos e nações e por essa razão justificava-se a cooperação com a comunidade internacional, inclusive os chineses.
Certamente, a aproximação do Parlatino com a República Popular da China foi o primeiro passo para que fosse construída e inaugurada a nova (e atual) sede permanente da instituição, na cidade do Panamá, em 2013, ocorrido em solenidade realizada durante a recente XXIII Cúpula Ibero-Americana.
A ajuda chinesa foi ressaltada publicamente na XXV ASSEMBLÉIA ORDINÁRIA do Parlamento Latino-Americano, realizada no Panamá, em 3 de dezembro de 2009, através da Resolução AO/2009/05, na qual se lê: “as autoridades do Comitê Permanente da República Popular da China, manifestaram especial atenção ao processo de instalação da Sede Permanente na República do Panamá, e que para tanto, comprometeram de maneira incondicional um apoio firme na concretização do projeto de construção da Sede Permanente, o qual se executará no âmbito das previsões legais correspondentes ao Organismo e a República do Panamá”.
Os “parceiros” chineses cooperaram financeiramente para que atual sede própria do PARLATINO, no Paraná, fosse concluída. A nova sede – um monumental e moderno prédio – situa-se à entrada do oceano pacífico, no Canal do Panamá.
Alegra-me ter contribuído para essa vitória.
Deixei o PARLATINO em 2006, com o final do mandato de Presidente. Daí por diante, até hoje, não tive contatos com os chineses, através de sua embaixada. Porém, as sementes que plantei tiveram frutos. E o depoimento que dou é de lealdade recíproca em todo o período que negociei com a China, à frente do Parlamento Latino Americano.
Por tal razão, e por experiência própria, ouso afirmar, que o Brasil nada ganhará em criar rasuras nas relações com a China. Só terá a perder!
Por Ney Lopes – jornalista, advogado, ex-deputado federal; ex-presidente do Parlamento Latino Americano; ex-presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal; procurador federal – [email protected] – blogdoneylopes.com.br