08/05/2020 00:04
“O cliente já não quer mais saber apenas o que ele ganha na relação com a empresa, mas o que o mundo ganha com a existência dessa marca”
A afirmação do jurista francês George Ripert segundo a qual “quando o direito ignora a realidade, a realidade se vinga ignorando o direito” pode, perfeitamente, ser adaptada à relação entre as marcas e os clientes.
Para não serem ignoradas pela sua excelência, o público, as empresas precisam decifrá-lo, dar respostas em tempo hábil, ter credibilidade e relevância. A má notícia é que a concorrência sabe disso e a pandemia do coronavírus tornou o consumidor mais complexo e exigente.
A era do produto já tinha dado lugar para a era da experiência. Há alguns anos, ter já não encantava toda uma geração interessada em viver. A economia compartilhada desidratou a necessidade de comprar um carro para garantir o conforto no deslocamento, praticamente transformou CDs e DVDs em itens de colecionadores. O isolamento social, apontado como único antídoto comprovadamente efetivo contra o Sars-CoV-2 até o momento, catalisou mudanças já em curso nos hábitos de consumo.
Deixando de lado exercícios de futurismo ou previsões apocalípticas para se ater a comportamentos que já vinham sendo incorporados ao mundo antes do coronavírus, é possível afirmar, com baixa margem de erro, que programas de responsabilidade social e expressões como “posicionamento de causa” ganharão ainda mais peso.
O cliente já não quer mais saber apenas o que ele ganha na relação com a empresa, mas o que o mundo ganha com a existência dessa marca.
Com a retração econômica, as pessoas vão valorizar ainda mais os seus recursos. Uma série de questionamentos naturalmente surgirão antes da decisão de compra ou contratação. Preciso de fato deste bem ou serviço? Estou colaborando para construir um mundo em que acredito? Essa marca está alinhada com os valores que defendo? Como o lucro gerado por essa operação comercial vai ser usado? Quero colaborar para o fortalecimento dessa empresa?
O olhar para o novo consumidor é a chave para a sobrevivência dos negócios. Num cenário de incerteza, insegurança e redução de receita, o enxugamento dos custos emerge como primeira medida óbvia para os gestores. A busca por eficiência é sempre recomendável e salutar, mas há que se ter cautela para os cortes não incidirem em áreas ou pessoas que se tornarão fundamentais no mundo pós-crise. Num momento de reinvenção dos negócios, profissionais e serviços tidos como dispensáveis podem se tornar essenciais.
Uma série de estudos já anteciparam que o profissional do futuro precisa estar preparado para mudar de carreira diversas vezes ao longo da sua trajetória. Da mesma forma, as empresas, para sobreviver, terão de estar prontas para remodelar suas atividades e se adaptar a um mundo em metamorfose numa velocidade vertiginosa. E mais, deverão ser competentes para se comunicar com os mais distintos públicos de interesse ao longo desse processo.
Essa é a única forma de estabelecer um elo e se tornar relevante. Não há mais espaço para uma relação fantasiosa. O cliente moderno está dotado de uma série de ferramentas que lhe permitem desnudar ações marqueteiras que não condigam com a realidade e, como qualquer ser-humano, ele não suporta ser enganado.
Há aí um ponto extremamente relevante: o isolamento social acelerou o processo de incorporação da tecnologia nas relações, mas, no final, é sempre sobre gente. Esse é um fato que pandemia vai ser capaz de mudar.
Seres humanos querem a verdade. Até toleram o erro, mas não a enganação ou a omissão. Daí a importância de manter um diálogo constante, aberto, transparente e de mão dupla com os mais diversos públicos como colaboradores, o próprio consumidor e outras marcas. É nesse contexto que ações vazias de marketing perdem a relevância e as relações públicas assumem o espaço.
Se na era da coisa um produto de qualidade resolvia grande parte do desafio das empresas, atualmente, é preciso mais. É preciso ressignificar os negócios para torna-los relevantes ao mundo e se comunicar/conectar de forma eficiente com os públicos, porque o concorrente sabe que a era da coisa morreu tem tempo e a era da causa está só começando.
Por Alexandre Loures, 44, é sócio do Grupo FSB Comunicação e fundador da agência Loures.
Por Darse Júnior, 39 anos, jornalista, sócio-diretor da FSB Comunicação, autor do livro Reconstrução do Buriti.