Opinião – Países estão correndo atrás de alimentos brasileiros

12/05/2020 00:54

”Épocas de crise forçam o pensamento estratégico. Em meio às desgraças, olhar longe. Lá, no horizonte, se enxerga o celeiro do mundo. Verde-amarelo”

Países que colocavam restrições na importação de alimentos do Brasil agora fazem consultas ao Ministério da Agricultura querendo abertura de mercado. A informação vem de Tereza Cristina, ministra da pasta.

Essa deve ser a grande oportunidade para a agropecuária brasileira no pós-crise da economia global causada pelo coronavírus. Muitos países temem pelo abastecimento alimentar de seus povos no futuro próximo.

O Brasil tem mostrado, nas últimas 2 décadas, especialmente, capacidade de produção no campo acima da de seus concorrentes. As grandes nações do mundo desenvolvido operam há meio século no limite de seu potencial produtivo, ocupando 100% de suas terras chamadas “aráveis”. É o caso dos EUA, Europa, Austrália, Japão, Canadá.

No caso da China, a situação é quase dramática devido ao extraordinário, e recente, processo de industrialização e urbanização. Apenas 14,3% do território do gigante asiático se presta à agropecuária. O resto é gelado, montanhoso ou desértico. A China tem 20% da população mundial com apenas 7% das terras aráveis do planeta.

Nessas condições, para todos eles, resta apenas um caminho: intensificar a produção rural, pelo uso de tecnologia, incluindo a irrigação, conseguindo assim elevar a produtividade por área explorada. Existe, porém, um custo a ser enfrentado.

No Brasil, ambas as possibilidades existem, e se manifestam: cresce a área total de produção e, ao mesmo tempo, aumenta a produtividade por hectare. Nos últimos 40 anos, a área das lavouras chamadas temporárias, basicamente de grãos e cereais, quase dobrou. Segundo o IPEA, todavia, no período de 2000 a 2016 foi a produtividade que respondeu por 76,4% do crescimento do produto.

Daí vem o enorme potencial do agro brasileiro. A fronteira agrícola do Brasil ainda se expande incorporando solos virgens. A população se incomoda com o desmatamento. Mas, respeitando-se absolutamente o Código Florestal, existe um estoque aproximado de 10 milhões hectares de terras com elevada aptidão agrícola a ser desbravado. Significa perto de 1,6% das florestas nativas, no cerrado principalmente.

Além das novas áreas, o principal vetor de crescimento dos cultivos surge na transformação de pastagens, normalmente degradadas, em lavouras superprodutivas. É aqui que reside a grande vantagem comparativa do Brasil com relação aos demais países.

A condição tropical de nossa agropecuária permite tirar 2 safras consecutivas, no mesmo terreno, e ademais aproveitar a terra, na sequência, para o pastoreio intensivo. Esse modelo, único no mundo, se denomina iLP, integração lavoura-pecuária.

O exemplo mais comum é o seguinte: plantio da soja no final do ano, com colheita em abril-março, seguido do plantio do milho, que será colhido em maio-junho; saindo o milho, em 30 dias a pastagem, que foi semeada junto com o cereal, estará exuberante para o pastejo da boiada. Em 90 a 120 dias, o gado sai, e se retoma o ciclo. É extraordinário.

Essa agricultura tropical construída no Brasil, cujo alicerce é a produção integrada vegetal-animal, baseada em muita tecnologia, gerada nas Embrapas do país, encanta, mas também espanta, o mundo. Desse temor surgiram as barreiras comerciais, quase sempre disfarçadas de certificados sanitários, erigidas para defender o interesse dos agricultores locais.

O Brasil luta, desde a Rodada de Doha, da OMC, no final do século passado, para ter acesso a relevantes mercados agrícolas. Com parco sucesso. Agora, com medo de ficarem sem comida no prato, inverteu-se a lógica. São eles que querem abrir suas fronteiras. Correm atrás de nossos alimentos.

Épocas de crise forçam o pensamento estratégico. Em meio às desgraças, olhar longe. Lá, no horizonte, se enxerga o celeiro do mundo. Verde-amarelo.

 

 

 

Por Xico Graziano, 67, é engenheiro agrônomo e doutor em Administração. Foi deputado federal pelo PSDB e integrou o governo de São Paulo. É professor de MBA da FGV e sócio-diretor da e-PoliticsGraziano.

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