14/05/2020 00:52
”Prestação de contas é fundamental; quadro atual é grave e desolador; já há investigações em 11 Estados; Não Aceito Corrupção fez ferramenta”
Atos de abuso de poder visando a obtenção de vantagem, em “condições normais de temperatura e pressão”, ou seja, em tempos de normalidade institucional, significam gestos de profunda deslealdade social, que causam erosão nas instituições democráticas, agudizam ainda mais o já profundo quadro de desigualdade social.
Ou seja, praticar corrupção em tempos de normalidade, com as instituições do sistema de controle operando de forma estável, já é grave e odioso diante das nossas circunstâncias sociais vulneráveis, dramáticas, críticas. Que se pode dizer destas práticas criminosas, fraudulentas, desleais em tempos de fragilidade? Por exemplo: praticar furto ou fraude contra alguém de luto. Terrível! Que dizer então da excepcionalidade que lembre as circunstâncias de uma guerra?
Aliás, no plano econômico, estudiosos já afirmam que as consequências da pandemia serão mais gravosas para o mundo que as crises do crack da bolsa de 1929 e da 2ª Guerra Mundial, eventos de força devastadora gigante e singular.
Pensando nisto e conhecendo nossa triste realidade, ao ser aprovada a Lei Nacional da Quarentena (13979/2020), quando se decretou a calamidade, afrouxando-se as regras das licitações para as contratações públicas, foi imposta a obrigação de serem criados sites específicos para a prestação de contas pelos entes públicos acerca das contratações emergenciais durante a pandemia.
Infelizmente, a maioria dos entes públicos não está cumprindo a lei (o que deve ser cobrado pelo MP), apesar de ser o Brasil membro fundador da OGP em 2011 (Open Government Partnership), o que nos impõe perante o mundo o dever de ser modelo em matéria de transparência.
Lamentavelmente, os problemas não se resumem à falta de prestação de contas. Já se divulga que em 11 dos 27 Estados há investigações sobre atos de corrupção relativos a abusos relacionados à pandemia, cujo número de vítimas fatais no Brasil já caminha para 12.000.
Em Santa Catarina, onde houve decreto de prisão de dois secretários de Estado, da Casa Civil e da Saúde, investiga-se a compra de 200 respiradores por 33 milhões, pagos adiantadamente a empresa sem histórico de operação na área cujo CNPJ corresponde a estabelecimento voltado à satisfação de prazeres.
No Amazonas, onde se vive um pré-colapso no sistema de saúde, com 90% dos leitos de UTI ocupados em Manaus e 80% no Estado, o governador Wilson Lima é fortemente questionado por mau uso de dinheiro público, inclusive pela aquisição de respiradores com superfaturamento de 316%, comprados de uma loja de vinhos, e pelas imagens que correram o mundo das valas comuns para viabilizar 4 vezes mais enterros, com relatos de pacientes aguardando vagas dormindo em ambulâncias.
Responde a 2 pedidos de Impeachment na Assembleia Legislativa do Estado, aos quais o presidente Josué Neto dá seguimento, sendo que em 2017 o então governador José Melo foi afastado do Governo por compra de votos.
Assembleia Legislativa que na última 4ª aprovou lei que determina a abertura de todos os templos religiosos do Amazonas, na contramão do caráter laico do Estado e da determinação internacional da não aglomeração, sob o argumento de que a fé é o alimento da alma.
O governador, por decreto, tem mantido a ordem de fechamento dos templos e poderá eventualmente vetar a lei aprovada, sujeitando-se à derrubada do veto pelos deputados estaduais.
No Mato Grosso, o sócio de uma empresa de “fachada” em Rondonópolis que vendia respiradores falsos lesou a sociedade em R$ 4 milhões, tendo a prisão preventiva decretada, conseguindo-se recuperar R$ 3 milhões dos R$ 4 milhões da fraude.
No sul de Tocantins, as fraudes podem chegar a R$ 6 milhões e no Rio, as aquisições para atender o hospital de campanha foram plagiadas, evidenciando provirem da mesma origem, causando perplexidade geral a decisão do governador Witzel de determinar sigilo em tais contratações, o que somente se poderia cogitar em negócios com particulares –jamais envolvendo o patrimônio público.
Esse quadro é absolutamente grave e desolador e demanda trabalho vigoroso de todo o sistema anticorrupção.
O Instituto Não Aceito Corrupção, preocupado com a gravidade desta situação e o ainda grande desconhecimento de parcela significativa da sociedade em relação ao caminho para denunciar, resolveu oferecer uma ferramenta dentro de seu site para informar e para permitir denúncias em relação a atos de corrupção durante a pandemia, que será disponibilizada nos próximos dias. As denúncias, que poderão ser feitas anonimamente, serão encaminhadas ao MP para as devidas providências. Façamos nossa parte!
Por Roberto Livianu, 51, é procurador de Justiça, atuando na área criminal, e doutor em direito pela USP. Idealizou e preside o Instituto Não Aceito Corrupção. Integra a bancada do Linha Direta com a Justiça, da Rádio Bandeirantes, é articulista da Folha de S. Paulo e do Estado de S.Paulo e é colunista da Rádio Justiça, do STF.