Opinião – O crime não pode compensar

02/06/2020 00:48

”O governador do Rio, Wilson Witzel, revogou a proibição do Instituto Unir Saúde contratar com o poder público. O ato contradiz o discurso anti-corrupção que elegeu o governador”

Mais de uma vez ouvimos dizer, em diversos cenários e circunstâncias, que o crime não compensa. Fomos educados e aprendemos valores éticos que nos levaram a acreditar que o correto é cumprir as regras. Não transgredir. Que os transgressores estarão sujeitos a severas punições.

No passado, inclusive, a pena de morte era tão aceita quanto banalizada ao ponto de serem oferecidas recompensas, prêmios em dinheiro pela localização de criminosos. O filme Django Livre, de Quentin Tarantino, aborda esta temática da premiação pela entrega dos bandidos vivos ou mortos, com interpretações de destaque de Jamie Foxx e Christoph Waltz, que interpretam respectivamente o ex-escravo Django e o Dr. Schultz.

Dr. Schultz interpreta um dentista que se transforma em caçador profissional de recompensas por bandidos procurados pela Justiça junto com Django, geralmente os matando. Em última análise, tratava-se do cumprimento da lei em vigor na época retratada, com ela se concorde ou não.

Avancemos no tempo e cheguemos até o Rio de Janeiro, de Moreira Franco, de Anthony Garotinho, de Rosinha Garotinho, de Sérgio Cabral, de Pezão, de Wilson Witzel. Observando o que se noticiou em relação à chamada Operação Favorito, temos a nítida impressão que lá o crime compensa. Infelizmente.

Em recentes diligências da Lava Jato no Rio, o poderoso empresário Mário Peixoto foi preso, sendo encontrados quase R$ 1 milhão e 600 mil em dinheiro em sua casa em Angra dos Reis. Ele mantém contratos com o Governo do Estado do Rio desde a gestão de Sérgio Cabral até hoje, os quais, pelas apurações, tudo indica, vinham sendo renovados mediante pagamento de propina.

Vale lembrar que os ex-governadores Sergio Cabral e Pezão estão presos. E que o nome Favorito foi dado à operação pelos laços mantidos pelo empresário com o mundo político, que lhe garantia a eterna condição de contratado. Inclusive tendo tido os deputados estaduais Paulo Melo e Jorge Picciani, ambos presos, como padrinhos de casamento em 2014, na cinematográfica festa realizada no mesmo castelo em que se casou o ator Tom Cruise, favorito de Hollywood, custeada com o dinheiro ganho pelo criminoso favoritismo.

A lógica perversa que alimentava este círculo vicioso parecia ter sido interrompida no estado do Rio de Janeiro em outubro de 2019, quando, de forma extremamente adequada, houve a proibição administrativa para que seu fantasmagórico Instituto Unir Saúde, do qual é sócio oculto, contratasse com o poder público, já que foram detectadas irregularidades na prestação de serviços.

Operação Favorito rompeu círculo vicioso

Ato de Witzel restaura a lógica perversa

Investigação tem que ser instaurada

No Rio, parece que o crime compensa

Eis que, de forma surpreendente, em março último, do alto de sua condição de ex-juiz federal, que lhe garante conhecimento jurídico muito acima da média, o governador Witzel, na contramão de seu discurso de campanha anticorrupção que o levou ao poder, enfrentando pareceres de sua equipe que desaconselhavam a revogação da desqualificação administrativa referida, revogou-a por decreto, sem sólida fundamentação nem qualquer justificativa técnica, segundo o MPF.

Antes disso, na direção da opacidade, sem publicar os sites determinados pela lei 13979/2020 para prestar contas das contratações emergenciais da quarentena, determinou o sigilo em relação às contratações na área da saúde, quando é o óbvio que sigilo hoje só se admite em negócios entre particulares –jamais no que diz respeito ao patrimônio público.

Os diálogos interceptados revelados em matérias divulgadas pela mídia no último final-de-semana, em que se banaliza a compra pública de álcool gel, falando-se de forma jocosa sobre três CNPJs para legitimar a aquisição, assim como em adquirir respiradores pulmonares por dez vezes o valor de mercado com naturalidade transmitem a certeza da impunidade por parte de históricos violadores da lei, que se incrustaram no poder, dele se servindo e enriquecendo, em prejuízo da sociedade.

Na semana passada, em Brasília, a nível federal, por outro lado, surpreendentemente foi editada uma Medida Provisória, a 966, que isenta de punições agentes públicos por atos de corrupção cometidos durante a pandemia, em afronta à Constituição por tratar de matéria não permitida, vulgarizando a emergência constitucional deste instituto, já que a MP vigora imediatamente, sem prévio debate no Congresso.

Num momento em que a prioridade deve ser salvar vidas, esta medida transmite mensagem em direção à insegurança jurídica e ao fortalecimento da impunidade, absolutamente indesejada pela sociedade.

O crime nunca pode compensar. Por isto, a notícia da instauração de investigação criminal em face do governador e dos demais suspeitos nos escândalos do Rio é o único caminho possível para que se preservem as instituições fluminenses e que seja readquirida sua credibilidade plena no estado do Rio de Janeiro.

 

 

 

Por Roberto Livianu, 51, é procurador de Justiça, atuando na área criminal, e doutor em direito pela USP. Idealizou e preside o Instituto Não Aceito Corrupção. Integra a bancada do Linha Direta com a Justiça, da Rádio Bandeirantes, é articulista da Folha de S. Paulo e do Estado de S.Paulo e é colunista da Rádio Justiça, do STF

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