Análise – O alerta de Pastore

01/06/2020 13:15

”O economista Affonso Celso Pastore (na foto), durante comissão de medida provisória que transformava o Coaf em UIF, participou de webinar na IFI e avaliou contas públicas e externas do país”

Em webinar organizado pela Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal, em 30 de maio, o professor Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central, trouxe uma avaliação muito clara a respeito dos riscos nas contas públicas e externas do país. Este artigo resume o seu alerta.

Pastore é um economista completo, com passagens importantes pelo setor público, academia e setor privado. Combina a prática e a teoria como ninguém, o que confere uma clareza sem igual às análises que apresenta ao público especializado e leigo. Na live da IFI, ele tratou da crise de saúde e da crise econômica, mostrando os caminhos a serem seguidos. E, também, os que devem ser evitados.

São dois os principais alertas do professor: 1) a dívida pública crescerá muito, neste ano e, apesar de ser esperado e necessário, o movimento de alta dos gastos precisará ser revertido no próximo ano; e 2) uma crise fiscal decorrente do descontrole permanente do gasto e do desrespeito à Emenda do Teto poderia combinar-se perigosamente com uma crise no balanço de pagamentos.

A respeito do primeiro ponto, Pastore mostra que a dívida poderá chegar a 100% do PIB já neste ano. As projeções são piores do que as apresentadas pela IFI, sobretudo porque ele considera taxas de queda do PIB mais altas para 2020. As projeções para o déficit primário, entretanto, estão similares, ao redor de 10% do PIB. Com juros reais baixos, como agora, este problema está relativamente controlado, até porque o Banco Central ajuda o Tesouro na tarefa do financiamento do déficit ao realizar operações compromissadas pagando Selic.

O risco está no após crise. Se o aumento do déficit, em 2020, não for revertido a partir de 2021, a sustentabilidade da dívida poderá ficar fortemente prejudicada. O risco torna-se mais evidente quando Pastore analisa os dados do balanço de pagamentos, isto é, o déficit externo. São dois os principais componentes: o resultado em conta corrente (balança comercial, de serviços e rendas) e o resultado da conta capital e financeira (fluxos financeiros, incluindo os investimentos estrangeiros diretos).

O superávit existente na conta capital e financeira transformou-se em déficit, que somado ao déficit da conta corrente já passa de US$ 50 bilhões no acumulado em 12 meses. Esse saldo negativo do balanço de pagamentos implica depreciação cambial e venda de reservas. Como o nível de reservas ainda é elevado, o Banco Central consegue enfrentar o problema, no curto prazo, sem riscos à solvência externa.

O fato é que, se as contas fiscais no pós-pandemia seguirem um padrão distinto do recomendado pela responsabilidade fiscal, a piora do balanço de pagamentos vai continuar a pressionar a taxa de câmbio e, em um cenário de mínima recuperação, aumentaria o risco inflacionário. Neste caso, segundo o professor, os juros baixos, que hoje são uma bênção, neste momento de crise, teriam de voltar a subir.

Seria um inusitado quadro de desequilíbrio fiscal, alta de juros e câmbio depreciado, redundando provavelmente em obstáculos crescentes ao parco desenvolvimento econômico que se esperaria para depois da tempestade da covid-19.

Pastore reconhece a importância dos investimentos em infraestrutura, mas entende que estes devem ser realizados por meio de concessões ao setor privado e não com recursos públicos.

A mensagem do professor no evento da IFI precisa ser entendida claramente pelas autoridades competentes. O governo tem o dever de agir de maneira contundente contra a crise. Por isso, já são mais de R$ 444 bilhões destinados ao combate à pandemia e a seus efeitos sobre a renda e o emprego, segundo cálculos da IFI para medidas com impacto primário. Mas é igualmente dever do governo sinalizar para um horizonte de reequilíbrio das contas, a partir do ano que vem, sob pena de minarmos qualquer possibilidade de volta à normalidade. É o alerta de Pastore.

 

 

Autores:

 

Felipe Salto, 33 anos, é economista formado pela FGV/EESP. Tem mestrado em administração pública e governo também pela FGV-SP, onde ministrou aulas de macroeconomia e economia brasileira nos cursos de pós-graduação executiva (2012-2014). Atuou como consultor na Tendências (2008-2014). Foi assessor econômico dos senadores José Serra (PSDB-SP) e José Aníbal (PSDB-SP) nos anos de 2015 e 2016. Em 29 de novembro de 2016, foi aprovado pelo Senado Federal para ser o 1º diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente. Publicou em 2016, pela Editora Record, o livro “Finanças públicas: da contabilidade criativa ao resgate da credibilidade”, pelo qual recebeu o Prêmio Jabuti de Economia em 2017.

 

Daniel Couri, 37 anos, é diretor da (IFI) Instituição Fiscal Independente. Economista pela Universidade de Brasília (UnB), é pós-graduado em orçamento público pelo Instituto Serzedello Corrêa (ISC/TCU) e mestre em economia do setor público pela UnB. É servidor público desde maio de 2006. Até 2008, foi analista de planejamento e orçamento do Ministério do Planejamento. De 2008 a 2014, foi auditor federal de controle externo do Tribunal de Contas da União (TCU), atuando na área de macroavaliação governamental. Foi tutor de diversos cursos na área de finanças públicas para o TCU e para a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam). Desde 2014, é consultor do Senado Federal, tendo coordenado por dois anos a área de receita e macroeconomia da consultoria de orçamentos. Atualmente, está cedido pela consultoria à IFI.

 

Josué Pellegrini, 58 anos, é diretor da (IFI) Instituição Fiscal Independente. Doutor em economia pela Universidade de São Paulo (USP), é também bacharel em Direito. Foi professor em instituições de ensino superior, como a USP, pesquisador da Fundap do Estado de São Paulo, na área de sistema financeiro, e Gestor de Políticas Públicas no Ministério da Fazenda, onde trabalhou com assuntos internacionais. Na atividade acadêmica e de pesquisador, realizou trabalhos e produziu artigos sobre sistema financeiro, economia brasileira, finanças públicas e economia internacional. Recebeu o Prêmio Brasil de Economia do Conselho Federal de Economia (1996) e o XI, XXI e XXII Prêmios do Tesouro Nacional (2006, 2016 e 2017). Escreveu também livro de Macroeconomia. Na Câmara dos Deputados, foi assessor econômico de liderança partidária. Na Consultoria Legislativa do Senado Federal, produziu textos para discussão relativos à autonomia do Banco Central, reforma tributária, divida estadual e do governo federal. Foi também coordenador do Núcleo de Economia da Consultoria Legislativa.

 

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