02/06/2020 12:41
”Para congressistas, Mourão é um enigma. Não ganhará Presidência ingenuamente. Vice dizia mesmos impropérios de Bolsonaro. Agora, posa de ponderado em entrevistas”
Jogar parado é como se chama o estilo do centroavante que fica na área aguardando a bola. Muitas vezes é a alternativa para jogadores mais velhos que perderam a explosão da juventude, mas ainda sabem fugir do zagueiro e se colocarem livres na hora do passe.
Nem todo mundo é Romário, craque até jogando parado, e a tática de se mexer pouco e reclamar muito sempre que a bola não chega redonda também é usada por qualquer perna-de-pau. Com 66 anos, 1m73 de altura, 83 kg, o vice-presidente Hamilton Mourão é praticante de hipismo. Mas na política, ele joga parado, esperando a bola chegar.
Na semana em que o presidente Jair Bolsonaro anunciou um “chega, porra” para as decisões do Supremo Tribunal Federal e o ministro mais antigo da Corte distribuiu uma mensagem acusando o presidente de intencionar “UMA DESPREZÍVEL E ABJETA DITADURA MILITAR!!!!” (assim mesmo, com maiúsculas e vários pontos de exclamação), Mourão assumiu o papel de adulto na sala. À repórter Andréia Sadi, da GloboNews, o vice foi enfático:
“Quem é que vai dar golpe? As Forças Armadas? Que que é isso, estamos no século 19? A turma não entendeu. O que existe hoje é um estresse permanente entre os Poderes. Eu não falo pelas Forças Armadas, mas sou general da reserva, conheço as Forças Armadas: não vejo motivo algum para golpe”.
Perguntado sobre as declarações de Eduardo Bolsonaro de que não é uma questão de “se”, mas “de quando” ocorrerá uma ruptura institucional, Mourão deu um passa-moleque que nenhum outro oficial teria destemor de fazer com um filho de Bolsonaro:
“Me poupe. Ele é deputado, ele fala o que quiser. Assim como um deputado do PT fala o que quiser e ninguém diz que é golpe. Ele não serviu Exército”. Foi Mourão e não o ministro da Defesa (ou quanto mais o presidente) o garantidor de que o jogo é pesado, mas as regras continuam valendo.
Na edição desta segunda-feira (1º.jun.2020) do Valor Econômico, aos repórteres Claudia Safatle e Fernando Exman, Mourão avançou no papel de contraponto de Bolsonaro. Defendeu o presidente, disse que o impasse do Planalto e STF é fruto de “retorica inflamada dos dois lados” e era hora de baixas as tensões. Com a bola no pé, Mourão distribuiu passes para todos os setores:
Congresso: “‘Ah, mas (o Centrão) vai ter cargos!’ Isso faz parte, sempre fez. Compete aos organismos de fiscalização cumprir seu papel e o ministro da área ficar em cima”.
Mercado: “Temos que retomar a agenda de reformas que crie um ambiente de negócios mais virtuoso para que os investidores privados venham participar”.
Militares desenvolvimentistas: “Vamos ter que buscar uma forma de voltar a induzir o funcionamento da economia com um mínimo de recursos públicos porque não temos espaço fiscal. Botar uns R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões de mais endividamento para obras de infraestrutura”.
Militares não-bolsonaristas: “A política entrou pela porta da frente (do quartel) a disciplina e a hierarquia saem pela porta dos fundos. Não pode haver discussão política dentro do quartel, onde você tem que ter uma visão monolítica clara para cumprimento de tarefas e missão”.
Estrangeiros: “(os embaixadores dos países financiadores do Fundo Amazônia) Eles querem que o País demonstre claramente o seu comprometimento com o combate às ilegalidades na Amazônia. E é isso que eu estou procurando mostrar para eles”.
Vice-presidentes na tradição brasileira tem como única função aguardar o infortúnio do titular. José Sarney, Itamar Franco e Michel Temer estavam no lugar certo na hora certa, mas Hamilton Mourão tem uma diferença abissal sobre os vices que assumiram a Presidência no período democrático. Ele nunca foi político. Sarney havia sido governador, senador e presidente do partido da ditadura quando foi escolhido como vice por Tancredo Neves. Itamar era senador havia 15 anos e Temer, três vezes presidente da Câmara. Nesses casos, o Congresso atuou para colocar um dos seus no poder.
Supor que o Congresso atual irá enfrentar o estresse e o desgaste de uma guerra de resultado imprevisível contra Bolsonaro para colocar um general na Presidência é ingenuidade. Para os congressistas, Mourão é um enigma. Hoje posa de ponderado, mas até 2017, quando estava na ativa, repetia os mesmos impropérios de Bolsonaro contra os políticos em geral, com as ameaças de praxe de intervenção militar. Como na máxima atribuída a Gentil Cardoso, “quem se desloca recebe, quem pede tem preferência”. Jogar parado não será suficiente.
Por Thomas Traumann, 52 anos, é jornalista, consultor de comunicação e autor do livro “O Pior Emprego do Mundo”, sobre ministros da Fazenda e crises econômicas. Trabalhou nas redações da Folha de S. Paulo, Veja e Época, foi diretor das empresas de comunicação corporativa Llorente&Cuenca e FSB, porta-voz e ministro de Comunicação Social do governo Dilma Rousseff e pesquisador de políticas públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Dapp).