Opinião – A inadimplência ainda não chegou para os bancos

03/06/2020 00:35

”O aumento da inadimplência é 1 risco em meio à pandemia, mas tem ficado muito abaixo do esperado, o que permite ao sistema financeiro aumentar a concessão de crédito”

Banco Central anunciou uma medida no valor de R$ 1,2 trilhão para apoiar as instituições financeiras, porém, até o momento foram liberados somente R$ 260,2 bilhões, segundo dados atualizados pela instituição. Esses recursos são para os bancos privados poderem suprir eventuais perdas em suas operações de crédito, eles aparentemente também concedem aos bancos ganhos ficais, como redução no Imposto de Renda. Os dados mais recentes do mercado de crédito mostraram estabilidade no saldo das operações de crédito do sistema financeiro em abril de 2020, relevando que essas instituições financeiras não aumentaram o seu nível de empréstimo como era esperado.

Essa estabilidade ocorreu após dois meses de alta. O saldo total dos empréstimos e financiamentos alcançou o valor de R$3,6 trilhões no último resultado, representando 49,2% do PIB. No primeiro quadrimestre do ano houve um avanço de 3,1% no crédito, variação 2,9 p.p. (pontos percentuais) acima da observada no mesmo período em 2019.

As operações das pessoas físicas representaram a maior parte no saldo total, 56,6%, enquanto as pessoas jurídicas corresponderam a 43,4%. A redução mensal de 0,9% no saldo das operações das pessoas físicas foi ao encontro do crescimento de 1,2% nas operações das pessoas jurídicas. Já no acumulado no ano, ambas as parcelas do sistema financeiro avançaram, no entanto, a relacionada as pessoas físicas obteve taxa positiva menos intensa, de 0,7%, enquanto as pessoas jurídicas cresceram 6,5% no período. Isso revelou uma maior procura das empresas do que dos consumidores pelo mercado de crédito.

Há mais recursos disponíveis; Falta a vontade de liberá-los

Em relação ao crédito com recursos livres para pessoa física (PF), a taxa média de juros mostrou redução de 1,7 p.p. no mês, alcançando o nível de 44,5% ao ano em abril deste ano. Contra o mesmo mês de 2019, houve redução ainda maior, de 7,8 p.p.. Cartão de crédito rotativo, com juros de 313,4% a.a., foi o maior destaque negativo, ao passo que crédito pessoal consignado teve a menor taxa do grupo, 20,1% a.a.. A única categoria com crescimento nos juros foi a de aquisição de veículos, que atingiu taxa de 20,4%.

A inadimplência de pessoa física com recursos livres foi de 5,4% em abril, aumentou 0,3 p.p. em relação ao mês anterior e 0,7 p.p. na comparação com o mesmo mês de 2019. Essa foi a maior inadimplência desde outubro de 2017, quando foi de 5,6%. A modalidade com maior falta de pagamento no mês foi a de cartão de crédito rotativo, com taxa de 35,8%, compatível com os juros altos da categoria. Assim como a menor inadimplência foi observada na atividade com menor juros, a de crédito pessoal consignado, com inadimplência de 2,3%.

Para amenizar os efeitos negativos da Covid-19, o Banco Central intensificou sua estratégia de cortes na Selic. Na última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), a meta da Selic foi reduzida para 3%, o seu menor nível histórico. Esse efeito está sendo gradualmente repassado para as famílias, que verificam juros menores no mercado. No entanto, essa redução não foi o suficiente para incentivar o crédito nesse momento de maior cautela tanto dos bancos quanto dos indivíduos, dada a estabilidade observada em abril.

A possibilidade de aumento da inadimplência é uma outra expectativa preocupante do momento, dada a instabilidade na renda e preocupação com o mercado de trabalho. No entanto, os últimos números mostraram apenas um leve aumento nesse indicador. Esse resultado, melhor do que esperado foi devido ao benefício do coronavoucher e de seu grande alcance. Com essa renda a mais e a flexibilização nos contratos de trabalho em vez da demissão, a população está conseguindo manter suas dívidas sob controle. Além da baixa taxa de inflação, que também está ajudando as famílias a manterem o poder de compra e seu nível de renda real.

Os bancos estão recebendo muitos depósitos, já que os agentes econômicos estão entesourando mais, devido às incertezas por que estão passando. Logo, os bancos não podem alegar que não possuem recursos. Eles existem, mas também tem que existir a vontade de liberá-los.

 

 

 

Por Carlos Thadeu de Freitas Gomes é economista-chefe da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo). Foi presidente do Conselho de Administração do BNDES e diretor do BNDES de 2017 a 2019, diretor do Banco Central (1986-1988) e da Petrobras (1990-1992).

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