Opinião – Da pandemia aos protestos, vidas negras importgam

03/06/2020 13:12

”Manifestantes no 7º dia de atos antirracistas em Nova York: ”Desigualdade tem agenda foi unificada. Medo de ruptura desperta jovens. Não só de # vive a democracia”, diz Prado

Muito vem sendo discutido acerca da desigualdade produzida em razão da pandemia que nada mais é do que um vetor e não efetivamente a causa do hiato social, especialmente porque não podemos esquecer que o Brasil assentou as suas mansões e riquezas em cima de um grande cemitério de corpos negros e indígenas.

Além disso, a falha na engrenagem demonstrou que o capitalismo sequer permitiu que negros permanecessem em casa para atender o período de quarentena, pois para o patrão tomar café, a periferia acordou faz tempo. Não à toa que os serviços essenciais não excluíram as empregadas domésticas, visto que a mentalidade servil da elite brasileira não percebe que o empregado que trabalha em sua casa, também é uma pessoa que tem família, sonhos e que tem medo de morrer.

De toda forma, as últimas semanas têm criado uma nova linguagem política unificando a agenda seja pela pandemia, seja pela desigualdade e isso ficou claramente demonstrado pelos protestos de ruas em defesa de vidas negras e da democracia.

Nos Estados Unidos, país onde o número de mortos atinge a casa dos 100 mil, um cartaz de um manifestante dizia: “Não temos opção, ou morremos pelo vírus ou pela bala”, referindo-se aos atos violentos de racismo que ensejam em assassinatos de jovens negros.

A frase de impacto nos faz refletir sobre como os atos representam a ponta estreita de um iceberg, uma vez que pouco a pouco os protestos que começaram em Minneapolis vão criando eco em outros países como México, Canadá, Alemanha, França, Irlanda, Inglaterra, Nova Zelândia e Brasil como apontou a CNN no artigo “Thousands around the world protest George Floyd’s death in global display of solidarity”.

Manifestantes de máscaras em aglomerações. Uma cena que parece paradoxal no contexto da maior pandemia que o mundo já viu comprova na verdade como os protestantes têm sido mobilizados pela velocidade das redes que instantaneamente unificam a agenda mundial e despertam o interesse nos jovens dos quais, ainda que não sejam negros, observam como a brutalidade e as ações violentas do estado inflamaram as manifestações antirracistas que vem ocorrendo pelo mundo.

Elementos como a escravidão, a segregação racial, o autoritarismo, o fascismo e a ditadura inevitavelmente motivam muito desses manifestantes para que a história não se repita. Mas será mesmo que estamos de volta às concepções de Mussolini ou de Hitler? Será que os tanques de guerra sairão às ruas para “conter” as manifestações?

De fato, a história não tem memória curta e o medo da ruptura parece ter despertado a juventude que já não se vê pertencente ao modelo de servidão e obediência. É o sentimento de uma juventude exausta e que não tem mais saco para olhar a democracia como se fosse um quadro inanimado pendurado em uma parede.

Esses jovens estão nas ruas porque perceberam que não só de hashtag nas redes sociais vive a democracia, pois a conjuntura de opressão pede não só resistência como voz ativa, inclusive daqueles que costumavam ficar em silêncio escondidos atrás de seus privilégios em não ter que lidar cotidianamente com a violência policial.  Ainda assim, muitos deles não enxergam mais solução nos mesmos rostos que prometem acabar com a velha política, embora são a personificação do que há de mais retrogrado.

Portanto, para compreender todo esse fenômeno que quer de uma vez por todas se desvencilhar do autoritarismo e da morte cotidiana pela bala, é necessário recorrer a política da imaginação que mira na emancipação não só da engrenagem operacional do capitalismo, o qual delimita de forma cristalina a linha entre bilionários e miseráveis, como também a emancipação de quem tem medo de levar um tiro na cabeça inclusive dentro casa.

O que parece é que a convulsão social vigente que tomou as ruas mesmo diante de uma pandemia advém de uma carência de liberdades da qual nem o Direito foi capaz de assegurar para todos. Isto é, fica evidente que o mundo não tem mais espaço para ignorância daqueles que insistem em delimitar os espaços de acesso e de privilégios pela cor da pele, à medida que as relações humanas clamam por uma multiplicidade de vozes cultural, filosófica e política.

 

 

 

Por Monique Rodrigues do Prado é advogada e integrante da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) – Subseção Osasco. Participa do Comitê de Igualdade Racial do Grupo Mulheres do Brasil e da Educafro.

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