Opinião – Abertura de setor elétrico tem mar de almirante pela frente

18/07/2020 00:41

”Bento Albuquerque preparou o terreno. Ambiente regulado tem que acabar. É preciso enfrentar o lobby do setor. Erhard, da Alemanha, dá o exemplo”

Na famosa reunião ministerial do dia 22 de abril, Paulo Guedes discorreu sobre a importância da liberação dos mercados no Brasil e sobre os seus inquestionáveis conhecimentos dos processos de recuperação econômica em épocas e países distintos. O mais notável desses processos ocorreu na Alemanha, 3 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial.

O ministro Paulo Guedes tem 1 caminho facilitado para abrir o setor elétrico graças ao trabalho do ministro Bento Albuquerque

Ludwig Erhard, liberal de carteirinha, foi nomeado diretor de administração econômica da Alemanha e implantou um vitorioso plano econômico composto por uma ampla reforma monetária, fim do controle de preços e da produção, completa abolição dos controles burocráticos impostos ao país entre 1945/48 e forte crença no mercado livre. No dia seguinte à implantação do Plano, 19 de junho de 1948, e nos anos seguintes, a economia alemã sofreu uma transformação brusca e experimentou um crescimento econômico fantástico por décadas.

Ao contrário de Ludwig Erhard, que enfrentou condições muito adversas, Paulo Guedes tem um Mar de Almirante pela frente, abaixo descrito, para liberar imediatamente todo o mercado elétrico brasileiro à competição, graças ao trabalho do seu colega Bento Albuquerque, que já implementou medidas acabando com reservas de mercado setoriais e nos últimos 20 meses avançou nos estudos que embasam a reforma desse mercado.

  • A pandemia trouxe uma sobra estrutural de oferta para os próximos anos e um cenário de preços baixos no mercado livre que podem ajudar a competitividade do setor produtivo, em particular da pequena e média indústria, com demanda inferior a 500 kW (custo mensal de energia em torno de R$ 100mil), que hoje não estão autorizados a participar do mercado livre;
  • há sobra estrutural de oferta, mas não há mercado, pois quase todos os consumidores autorizados legalmente já estão incorporados ao mercado livre, que proporcionou R$ 203 bilhões em custos evitados na compra de energia do setor produtivo ao longo dos últimos 18 anos;
  • a pandemia, inclusive, mostrou que se todos os consumidores fossem livres, o problema a ser enfrentado pelo governo seria menor, pois o mercado tem se autorregulado, oferecendo valiosa contribuição baseada no respeito aos contratos que amplia a confiança do investidor. Portanto, o ambiente regulado (ACR) tem simplesmente que acabar, pois quanto mais tempo durar, mais agonia, suplício e prejuízos trará aos consumidores. Em 2002, foi o tarifaço (RTE) para socorro ao setor elétrico devido aos impactos do racionamento; em 2014/15, foi o empréstimo (conta ACR) para socorro às distribuidoras visando corrigir as barbeiragens regulatórias da MP 579 e em 2020 teremos a Conta-covid;
  • já existem mecanismos de financiamento apropriados para a expansão da geração de energia elétrica no Brasil via mercado livre, um dos quais criado e utilizado pelo BNDES;
  • o mercado livre de energia elétrica já responde por 38% do novo parque gerador em construção no país. Portanto, mais mercado, mais expansão da oferta livremente negociada sem a tutela do governo, tão logo o país necessite de nova geração;
  • estudos da Abraceel previam, antes da crise, que se 4 milhões de empresas no Brasil tivessem acesso ao mercado livre de eletricidade poderiam ser gerados 420 mil novos empregos, pela redução de custos da energia e pelo consequente aumento da competitividade da economia brasileira. Mas estudos são estudos e o que importa é a ação das forças de mercado quando há crença real na sua capacidade transformadora.

No momento, o grande desafio do governo é manter a perseverança no caminho traçado e a inquebrantável disposição ao embate, necessários ao enfrentamento do ardiloso, poderoso e multifacetado lobby da indústria elétrica que, visando a manutenção dos seus privilégios e subsídios, se apega ao famoso “o diabo mora nos detalhes” para requerer mais estudos, destinados unicamente à postergação da abertura de mercado elétrico, que já foi implantada em quase todos os países que importam na economia mundial e está prevista há pelo menos 25 anos no Brasil.

Convém lembrar que a maioria das medidas necessárias para a abertura do mercado elétrico não dependem de autorização legal, visto que as Leis de Concessões (Lei 8.987 e 9.074, ambas de 1995), transferiram essa incumbência ao poder concedente – Ministério de Minas e Energia. Portanto, está na mão do governo a portabilidade da conta de luz e o fim do nefasto mercado regulado que só se sustenta com o repasse de custos decorrentes da ineficiência do Estado na gestão da compra de energia para 82 milhões, acrescidos do pagamento de juros quando ele decide não repassá-los imediatamente.

Em 1948, Ludwig Erhard, quando confrontado sobre a autorização necessária para reduzir os entraves burocráticos da economia, disse simplesmente aos generais aliados (EUA, Inglaterra e França) que governavam a Alemanha Ocidental no pós guerra: desculpem, eu não as reduzi, eu as aboli! Continuou ministro e implantou seu plano. Os produtores e consumidores alemães agradecem até hoje.

 

Por Reginaldo Medeiros, 63 anos, é presidente-executivo da Abraceel (Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia). Graduado em economia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com mestrado em Planejamento Energético e Ambiental pela Coppe/UFRJ e MBA em inovação. Ocupou diversos cargos de gestão em empresas de energia e no MME ao longo das últimas décadas. É membro do Coinfra/CNI e autor do livro “O Capital Privado na Reestruturação do Setor Elétrico”, editado em 1995.
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