Opinião – Pelo seu futuro, o Brasil precisa reagir na Amazônia

16/07/2020 11:43

Agente do Ibama em operação de combate a incêndios na Amazônia: ”Biodiversidade encontra-se sob ameaça. País perdeu credibilidade internacional. Antes solução, Brasil precisa de salvação”

A tragédia que se abate nos últimos tempos sobre a Amazônia marca um retrocesso na trajetória brasileira de crescente reconhecimento mundial em sustentabilidade, inclusive com graves consequências para o campo econômico. Essa realidade pauta uma urgente reação nacional para que seja interrompida a escalda de destruição da natureza e também enseja o debate sobre como produzir de forma fraterna com o meio ambiente.

O Brasil é a casa da maior biodiversidade do mundo, abriga diferentes climas, solos, vegetação, e conta com um povo comprometido e capaz. Nosso território tem uma enorme riqueza chamada Amazônia, com 25 milhões de brasileiros vivendo na região. Capacitar e integrar trabalhadores à floresta é a maneira mais inteligente de preservar e gerar oportunidades.

Como bem pontuaram o ministro do Supremo Luís Roberto Barroso e a professora de direito constitucional Patrícia Perrone Campos Mello, em artigo recente, “a maior proteção contra a destruição da floresta é que haja maior racionalidade econômica em preservá-la do que em destruí-la, quer porque a sua preservação gera renda para a população, quer porque gera resultados econômicos substanciais de que o país não pode prescindir – ou, ainda, porque gera avanços biotecnológicos que aproveitam a toda a humanidade”.

Floresta em pé tem um enorme valor. Além de seus serviços ambientais, como captura de CO2, fertilidade do solo e regime de chuvas, fornece ao ser humano matéria-prima para sua sobrevivência. Natureza e homem são complementares.

Na própria região amazônica, já experimentamos de modelos de produção sustentável. O açaí, fruta nacional, com alto rendimento por hectare, ganhou o mundo e movimenta US$1 bilhão por ano. A castanha-do-pará, oleaginosa também chamada de castanha do Brasil e disseminada internacionalmente, gera sustento à região e ainda tem potencial para expandir mercados.

Como o cacau, o guaraná e a borracha, uma centena de outros produtos, sem contar os ainda desconhecidos, fortalece a posição da Amazônia como patrimônio natural gerador de oportunidades para o país. Atualmente, são mais de 450 espécies de produtos passíveis de serem trabalhados nas indústrias de cosméticos, farmacêutica, entre outras.

A Natura, que tem forte atuação na Amazônia, anunciou recentemente que destinará R$ 800 milhões para plano de sustentabilidade da empresa. Tudo isso é prova de que trabalhar em sinergia com a natureza é possível e rentável.

Para ganhar escala e agregar valor aos produtos finais, basta ter visão e planejamento combinados com investimentos em ciência e tecnologia. Imagine a grandeza do açaí aplicada a outros itens. No entanto, o Brasil, apesar de ser uma nação recheada de potencialidades, historicamente não as transforma em oportunidades. E o pior, nestes últimos tempos, estamos andando na contramão, arranhando a imagem ambiental internacional, duramente reconstruída desde a Rio 92.

Os fatos trágicos e criminosos de desmatamentos, queimadas, garimpos e ocupações ilegais que vêm sendo registrados de forma ascendente na Amazônia são o exemplo da inversão de nosso lugar na luta global pela vida no planeta, hoje e amanhã. De referência no quesito sustentabilidade e conservação, passamos a ocupar o posto daqueles de quem se cobram responsabilidades e posicionamentos firmes que coloquem um freio na devastação criminosa no coração verde brasileiro, que também contribui destacadamente para a vida em todo o planeta.

E as consequências vão além da destruição ambiental e do empobrecimento da população da região da floresta amazônica. Recentemente, o Parlamento holandês se mostrou contra a aprovação do acordo União Europeia e Mercosul, algo que o Parlamento austríaco também já havia manifestado em 2019, devido aos atos criminosos cometidos na Amazônia.

A manifestação dos 29 fundos de investimento e pensão, por meio de carta, para 8 embaixadas brasileiras (Estados Unidos, Japão, Noruega, Suécia, Dinamarca, Reino Unido, França e Holanda), pedindo uma reunião com cada uma delas para discutir o desmatamento no Brasil, deixa evidente as preocupações planetárias e diz o que esperam: políticas claras e regulações que tragam segurança para investidores.

Jan Erik Saugestad, executivo da administradora de fundos de pensão norueguesa Storebrand Asset Management, que liderou o movimento, afirmou em entrevista que “se não virmos uma clara mudança de curso [no desmatamento], o risco de continuar está ficando maior e maior, e vamos chegar ao ponto em que teremos que sair”. Seu pedido: “crescimento sustentável, de um jeito que não seja devastando as florestas. Tem que ser um crescimento inclusivo”.

Já os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, receberam carta assinada por 29 parlamentares europeus, membros da comissão de ambiente e dos comitês que tratam de agricultura e comércio exterior, onde são discutidas novas regras para acordos comerciais internacionais. Os representantes pediram que deputados e senadores brasileiros se engajem na proteção à floresta. Van Brempt, coordenadora do Comitê de Negócio Internacional do Parlamento Europeu, ainda fez mais um alerta após envio do documento: “se quisermos fazer comércio juntos, temos que trabalhar juntos nos temas mudanças climáticas e desmatamento”.

Paradoxalmente, entramos nesta situação pelas nossas próprias pernas. Transformamos o ativo ambiental de extremo valor em uma crise internacional, que vem nos impactando e já ameaça a exportação de produtos brasileiros, mesmo os de origem ambientalmente correta, assim como o acesso do país a crédito ligado a grandes fundos de investimentos.

Tudo isso já colocaria o país em uma situação extremamente delicada. Mas, hoje, ainda estamos em meio a uma tormenta chamada covid-19, que, além de causar o sofrimento pelas perdas de vidas humanas diariamente, tem seus danosos desdobramentos econômicos e sociais. Precisamos urgentemente de uma coordenação nacional para tomar medidas imediatas ou a credibilidade internacional que foi se perdendo nos últimos tempos aprofundará esta crise.

A biodiversidade, que representa enorme diferencial para o Brasil e poderia colocar o país no papel de liderança da bioeconomia, hoje está sob ameaça e ao invés de ser solução, precisa de salvação. O país precisa reagir.

 

 

 

 

Por Capixaba de Guaçuí, Paulo Cesar Hartung Gomes, 62 anos, é formado em economia pela Universidade Federal do Espírito Santo. Foi deputado estadual por 2 mandatos, deputado federal, prefeito de Vitória, senador e governador do Espírito Santo.

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