Análise – Uma década de tecnologia e política

16/07/2020 00:26

”Relação com a tecnologia mudou o jeito de fazer política”, diz Tognozzi que reúne artigos antigos que mostram trajetória das redes

Nesta era de fake news e bate-boca na internet, com o Supremo acreditando que o melhor é seguir em frente com o inquérito para descobrir quem comanda e quem é comandado na máquina de mentiras que demole reputações, decidi consultar meus artigos sobre os primórdios das redes sociais e seus efeitos nas campanhas políticas, publicados há uma década. Descobri algumas coisas interessantes, que mostram como chegamos até aqui. Tirem suas próprias conclusões sobre o caminho de 2010 a 2020.

Dilma começou mal na internet, publicado em fevereiro de 2010 – Os amigosdapresidentedilma.blogspot.com, por exemplo, bate pesado no jornal Folha de S.Paulo. Faz campanha para que leitores cancelem assinaturas, afirmando que a Folha apoiou a ditadura militar, a tortura e pratica a censura. Publica banners da Petrobras, Banco do Brasil, Fies, Minha Casa, Minha Vida e do PAC, nos quais exalta iniciativas do governo Lula. No dilma13.blogspot.com, “o maior portal da Dilma Rousseff na internet”, há ataques aos tucanos e a jornalistas como Augusto Nunes, do Jornal do Brasil, além do apoio formal ao blog Amigos do Crivella, patrocinado por apoiadores do senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), um dos líderes da Igreja Universal. Também é possível comprar camisetas com “Agora é Dilma” e “Quero Dilma” e fazer pedidos de adesivos da campanha.

Quando a tropa de elite vale mais que um exército, publicado em março de 2010 – O PT anunciou no fim de fevereiro de 2010, 8 meses antes da eleição, que mobilizará 500 mil militantes para a campanha digital de Dilma. Eles terão a missão de distribuir na rede material favorável à candidata e ao mesmo tempo falar mal dos adversários. (…) O PT imagina que a campanha digital será uma guerra de informação e contrainformação, como admite o secretário nacional da legenda, André Vargas.

Cascudos, puxões de orelhas e bordoadas, publicado em julho de 2010 – As campanhas digitais de Dilma Rousseff e José Serra começam a levar os primeiros puxões de orelhas da Justiça Eleitoral. No dia 16 de junho, o TSE mandou que o Google informasse o nome do autor do blog dilma13.blogspot.com e multou em R$ 10 mil o PSDB de Serra pelas críticas negativas contra o PT veiculadas no blog gentequemente.org.br.

O PhD em gente vale mais, publicado em dezembro de 2010 – Um blogueiro gera mídia própria e também se apropria de conteúdos que estão circulando pela web. Isso vale para o Twitter, o Orkut, Facebook e quaisquer redes sociais. As opiniões não são mais formadas com a leitura de jornais e revistas, nem com uma simples conversa de bar. As pessoas usam as redes sociais, os blogs, trocam informações de todo tipo. Elas confiam mais na informação que circula na rede do que aquela publicada pela grande mídia, atesta o Ibope Ratings. É comum esbarrarmos com posts do tipo: “pode pesquisar no google que vc vai ver que estou dizendo a verdade”.

O celular do eleitor não fala, escreve, publicado em agosto de 2009 – Na campanha de 2010, o celular será um equipamento essencial. Os políticos que ainda não entenderem como funciona este mercado podem ir preparando a aposentadoria, pois daqui a pouco não conseguirão fazer campanha. Um dado que reforça esta tendência: 46% das crianças de 7 a 13 anos têm telefone móvel. Nas eleições de 2014, a maioria delas terá um título de eleitor. De 14 a 18 anos, 76% têm celular e na faixa de 19 a 30 são 80%. Ou seja: a massa do eleitorado usa e abusa do telefone móvel.

A novidade do doutor Rui, publicado em junho de 2010 – O conteúdo é o rei, e a interação a rainha. Um depende do outro para acontecer. Esta máxima continua valendo e vai valer sempre. O equipamento mais sofisticado e veloz da campanha de Rui Barbosa era o telégrafo, que ele soube usar a seu favor espalhando sua mensagem pelos quatro cantos do Brasil. Os meios de comunicação não mudaram a forma de fazer campanhas. Eles apenas as tornaram mais eficientes e competitivas do ponto de vista da comunicação e da persuasão do eleitorado. Principalmente no ambiente digital do século 21.

A campanha agora é permanente, publicado em dezembro de 2010 – A partir de agora, este será um processo cada vez mais natural, uma nova forma de fazer política. Ela fará a seleção natural dos políticos, substituindo os analógicos pelos digitais. Imagine, por exemplo, um eleitor que tinha 10 anos de idade em 2002 e hoje tem 18 anos e um celular plugado nas redes sociais. Imagine alguém que tinha 10 anos em 2006 e em 2014 terá 18 anos, plugado em novidades que ainda nem foram inventadas. Será que eles elegeriam alguém que só aparecesse no Orkut, no Facebook ou no Twitter a cada quatro anos?

It’s the human connection, stupid!, publicado em maio de 2009 – Esta é a grande lição da campanha democrata. Não basta apenas a tecnologia que, cara ou barata, pode ser adquirida na esquina mais próxima. Não bastam programas de animação, vídeos, e-mails marketing, virais e toda traquitana tecnológica que enche os olhos, mas não toca o coração. Obama mostrou que sabia cuidar das pessoas quando escolheu o caminho de fazer as relações humanas prevalecerem sobre as relações tecnológicas. E elas entenderam. Usou a tecnologia como canal eficiente de transmissão de sentimentos e emoções, passando a sensação de que mesmo distantes as pessoas podem estar unidas. Isso fez a diferença e não pode ser comprado em qualquer esquina.

 

 

 

 

Por Marcelo Tognozzi é jornalista e consultor independente há 20 anos. Fez MBA em gerenciamento de campanha políticas na Graduate School Of Political Management – The George Washington University e pós-graduação em Inteligência Econômica na Universidad de Comillas, em Madrid

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