Crônica – No pátio

22/07/2020 00:36

”Peguei trinta anos em regime fechado. Aqui encontrei paz. Fui considerado interno com alto grau de periculosidade e vivia separado dos demais presos”

No seu primeiro dia de sol no pátio, depois do período isolado dos demais internos, e ainda sem visitas permitidas, Adelino sentou-se ao lado de Raul em um dos bancos de concreto, enquanto os demais internos caminhavam, faziam exercícios físicos ou jogavam palitinhos valendo cigarros.

­- Qual o seu artigo do Código Penal, perguntou Raul. Adelino, desinformado, respondeu que atropelou e matou um ciclista em via pública , mesmo sem estar em alta velocidade com o caminhão que comprara naquele dia para iniciar uma nova vida, após trinta e cinco anos de trabalho em uma repartição pública sem nenhuma punição, ao contrário, fez ótima carreira e saiu com reconhecimento do serviço público.

A aposentadoria era boa e daria para não fazer nada, se quisesse. O caminhão lhe foi entregue na manhã do dia do fatídico evento, após um churrasco prolongado com os amigos, até a madrugada. No local do atropelamento, o policial solicitou que fizesse o teste de alcoolemia que, para sua surpresa, deu positivo. Alegou ao policial que não havia bebido naquela manhã, mas o resultado estava lá mostrando o índice acima do permitido. Preso e submetido à audiência de custódia, foi determinada a manutenção da prisão.

Raul, atencioso, disse que a vida tem seus percalços e que logo o cumprimento da pena seria em regime aberto e poderia voltar à família e ao seu trabalho, reforçando: o dia começa na primeira hora e não ao nascer do sol.

A sirene tocou forte. Despediram-se e voltaram para suas celas.

A noite começou com o pôr do sol. Sorriu. É verdade, o dia começa na primeira hora e não no despontar da manhã, pensou antes da oração que fazia desde a infância.

No café, reencontrou-se com Raul. Saíram e foram para o pátio. Caminharam juntos em volta da quadra onde outros internos jogavam futebol.

Adelino perguntou ao colega o que ele fazia antes de ser preso. Raul, respondeu: – Eu era só um menino abandonado pelos pais. Certo dia, no supermercado, peguei um sanduíche, um iogurte, comecei a comer ali mesmo. Antes de engolir tudo, levei um tapa na orelha e caí no chão. Reagi me defendendo com uma garrafa de cerveja quebrada e feri o segurança. Fui levado à delegacia e, menor de idade, fui internado num centro de proteção às crianças e adolescentes. Passava o dia vagabundeando e aprendendo os segredos do mundo do crime. Quando saí, arranjei um trabalho de olheiro; recebia casa, comida, roupa de grife e uma beliche num alojamento da comunidade.

Cresci dentro da organização até ser escolhido para o grupo de assaltantes de banco. Corria tudo bem, ninguém reagia; os riscos eram mínimos e os ganhos altos.

Numa investida à uma agência, um segurança reagiu e o matei com uma rajada de submetralhadora. Na troca de tiros, alguns clientes também foram feridos. Eu, baleado, cai no chão e só acordei na maca de um hospital, algemado com as duas mãos presas às laterais da maca.

Peguei trinta anos em regime fechado. Aqui encontrei paz. Fui considerado interno com alto grau de periculosidade e vivia separado dos demais presos. Estudei, acabei o segundo grau e estou me preparando para fazer vestibular. Não sei se terei tempo de exercer uma profissão, mas, de qualquer forma, agora, adulto, desejo ter a oportunidade de ter trabalho e constituir família.

A sirene tocou e nos colocamos em fila. Raul, completou: – Adelino, a vida é assim, não interessa quem você é: se matou alguém, é assassino igual aos outros.

 

 

 

Por Paulo Castelo Branco

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