Opinião – O mercado já está cobrando a conta fiscal

27/07/2020 11:41

Sede do Banco Central, em Brasília: ”rigor fiscal é necessário para evitar que a política monetária tenha maior custo e menor eficiência”

O sucesso das operações de injeção de liquidez na economia se reflete na maior capacidade das famílias de pagarem despesas e dívidas durante a quarentena. Para combater parte dos efeitos da crise na economia foram necessários fortes estímulos fiscais, com aumento sem precedentes de transferências emergenciais, e creditícios. No pós-pandemia o rigor fiscal demonstrado pelo governo deverá ser mais do que nunca perseguido, para evitar a armadilha monetária. Com juros reais muito baixos, cortes adicionais nos juros pelo Banco Central limitam o poder de atuação na política monetária convencional, colocando em xeque a recuperação da economia. Portanto, caberá à continuidade do ajuste fiscal sustentar a retomada da atividade.

Os estímulos monetários, notadamente a taxa de juros, buscam convergir a inflação para as metas estabelecidas, ancorando as expectativas dos agentes em relação à trajetória da inflação em períodos seguintes. A crise de saúde propagou a ociosidade na economia, colocando os preços em níveis historicamente baixos, o que permite a manutenção da Selic próxima aos 2% pelo menos até o próximo ano.

Mas o comportamento dos juros está mudando o perfil do financiamento da dívida pública. Um dos efeitos do juro baixo e da piora recente da dinâmica fiscal é o aumento do resgate líquido da dívida mobiliária, implicando colocações de títulos com prazos inferiores para os vencimentos, o encurtamento da dívida.

O Tesouro tem buscado antecipar vencimentos aproveitando a queda atual dos juros, em meio à liquidez farta. Porém o órgão está aumentando a emissão de títulos curtos pós fixados, como a LFT (Letra Financeira do tesouro, atrelada à Selic), pois os pré-fixados tiveram a demanda diminuída, justamente pelos retornos mais baixos que incentivaram a fuga dos investidores estrangeiros.

Na investida o Tesouro está se beneficiando da folga de caixa na Conta Única do Banco Central (que deve aumentar com a potencial transferência dos lucros), tendo como contrapartida a intensificação do volume de operações compromissadas.

A despeito da breve redução dos juros futuros nos últimos meses, a folga momentânea do Tesouro tem um limite, pois o mercado financeiro está demandando maiores retornos para comprar os títulos longos.

Apesar desses deságios ainda não serem tão grandes, podem ser ampliados se houver desconfiança quanto aos seus pagamentos integrais, como aconteceu em 2002, quando dos saques nos fundos de renda fixas. No leilão de títulos públicos que aconteceu na última semana os investidores pediram taxas mais elevadas para comprar os prefixados longos, como demonstrado na tabela.

Como se nota, antes da pandemia os vencimentos da LTN para janeiro de 2024 exigiam proporção menor do CDI do que nos últimos leilões.

Assim, o juro real baixo no ambiente de deterioração fiscal pode dificultar a gestão da dívida pública, em que incrementos na volatilidade dos retornos dos títulos podem complicar o trabalho do Tesouro. Com incertezas em relação à retomada da economia e à agenda de ajuste fiscal, cresce o risco para novas rodadas de aumento nos juros no médio prazo, o que pode afetar o endividamento já bastante elevado.

A queda da Selic fez ainda do câmbio a principal variável de ajuste das expectativas, logo as atuais volatilidades diminuirão somente quando a incerteza fiscal também for reduzida. Quanto maior for a expectativa do ajuste fiscal, menor será a volatilidade cambial e a Selic poderá permanecer baixa por mais tempo, no contexto em que as expectativas inflacionárias oferecem ao Bacen condições para reduzir ainda mais os juros sem provocar saídas de recursos. Consequentemente, o carregamento da dívida pública pode melhorar, desde que as perspectivas fiscais sejam favoráveis.

A responsabilidade com as importantes medidas emergenciais frete à pandemia está maior, mas o país está mais comprometido com o rigor fiscal. Não há alternativas para financiar a ajuda emergencial: mais impostos ou cortes de despesas. Sem essa mensagem o mercado vai pedir taxas longas mais altas, o que prejudicará a dívida pública.

Em suma, não há espaço para voltar no caminho do ajuste fiscal. Qualquer medida conciliatória não sustentará a retomada da economia, pois o mais importante está sendo feito, que são os gastos sociais. Estimativas indicam que as parcelas da renda básica emergencial devem impactar positivamente o PIB (Produto Interno Bruto) nominal em 2,46 pontos percentuais. Agora é hora de concentrar esforços no equilíbrio fiscal.

É inútil procurar artifícios para curar as feridas sem termos como meta o pacto fiscal. O excesso de liquidez não é de graça, e pode custar muito sem o ajuste das contas públicas. O governo fez uma aposta no ajuste, e como Julio César, a sorte está lançada. Conseguimos atravessar o Rubicão, agora é caminhar para vitória.

 

 

 

Por Carlos Thadeu de Freitas Gomes, 72 anos, é economista-chefe da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo). Foi presidente do Conselho de Administração do BNDES e diretor do BNDES de 2017 a 2019, diretor do Banco Central (1986-1988) e da Petrobras (1990-1992).

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