Opinião – O jogo dos 3 desafios

29/07/2020 10:41

Presidente Jair Bolsonaro assiste ao arreamento da bandeira em frente ao Palácio da Alvorada: ”a política mudou de endereço. O centro brasileiro não se deu conta”

Uma pesquisa desta semana do DataPoder360 confirma o que era a sensação dos últimos dias: a popularidade de Bolsonaro demonstra uma incrível capacidade de resiliência, apesar de todos os erros e problemas que seu governo criou ou enfrenta.

De imediato, estabeleceu-se um consenso entre os analistas e atribuí-se, com razão, parte desta melhoria no ambiente político (para o Governo) ao silêncio de Bolsonaro embora pareça difícil acreditar que trinta anos de carreira política valendo-se da agressividade verbal como tática sejam substituídos em definitivo por um “presidente paz e amor”.

Aceitemos porém, para argumentar, que Brasília promova este milagre político e psicológico e tenhamos nos próximos dois anos um Bolsonaro incapaz de brigar com alguém, exceção feita às emas. Isto, claro, reduziria danos em suas chances eleitorais. Mas, por mais arriscado que seja adivinhar a semana seguinte no Brasil, não será este fato o decisivo para definir as chances de reeleição em 2022.

Melhor pensar que o jogo, como está hoje, dependerá de três diferentes desafios colocados aos três principais segmentos que disputam a hegemonia política no Brasil.

O desafio de Bolsonaro consiste em fidelizar sua “nova turma” –pessoas pobres, moradoras das periferias urbanas e em regiões menos desenvolvidas, com menor ou baixo índice de instrução.

Os mesmos que fizeram FHC presidente duas vezes e depois o trocaram por Lula e Dilma. Um governo com boa capacidade de investimento e eficiência para desenvolver e manter intensos programas sociais garantiria esta fidelização e muito provavelmente um lugar para Bolsonaro no segundo turno de 2022.

Em outras palavras, segue sendo a economia o fator a decidir. E, ressalte-se, a capacidade política de o governo se entender com o Congresso para a aprovação de medidas que sirvam aos dois senhores deste momento– a necessidade de injetar dinheiro em programas de renda e a manutenção de um ambiente macroeconômico razoavelmente saudável. Os conflitos dos últimos dias dentro do ministério, a inadequação de Guedes ao seu papel político e a dependência do Centrão, recomendam lembrar que o sucesso na economia depende, para Bolsonaro, de um incomum êxito na política.

O voto que não depende da economia, enquanto emprego e renda, não está disponível para Bolsonaro. Ou já foi consolidado e constitui sua base de apoio conservadora. Ou será impossível de conquistar entre os que, por convicções democráticas ou uma visão mais moderna, plural e diversificada da sociedade, fizeram oposição a ele e, em 2022, tendem a crescer dado o arrependimento já visível de bolsonaristas do sul e do sudeste, mais ricos e/ou mais instruídos.

Olhando a mesma cena com os olhos postos no que sobrou do lulismo, aparece o desafio do PT: a ideia de poder chegar ao segundo turno “apenas” defendendo democracia e o legado social de seus anos no poder não passa de versão petista do negacionismo.

Primeiro, porque este legado tornou-se totalmente discutível diante do fracasso da parte final de sua gestão econômica e social (anos Dilma).

Segundo, porque valerá para o eleitor o fato mais recente, a capacidade de Bolsonaro atraí-lo (se conseguir).

E terceiro porque o PT, passados quatro anos, não deu nenhuma demonstração concreta de revisar posturas, assumir erros e modernizar lideranças, propostas e visão de mundo. A grande chance do PT, se persistir na postura atual, depende do fracasso da terceira força política –o centro– em tornar-se uma alternativa de poder, fazendo a alegria simultânea da esquerda e dos bolsonaristas.

As forças políticas não alinhadas com os extremos têm um desafio enorme. Primeiro, porque das três grandes formações políticas são as menos orgânicas e organizadas, na verdade um arquipélago com pequena capacidade até agora de articulação. Segundo, porque sinais de vida vindos do centro, emitidos por intelectuais e segmentos da sociedade civil, passam longe de estruturas formais de partidos (estes vivendo do passado como MDB e PSDB).

Terceiro, e pior, porque o centro ainda não se deu conta que o palco da política mudou de endereço e abriga-se hoje nas redes sociais, para ele ilustres desconhecidas. E, não bastasse, porque precisa construir um apelo para o brasileiro pobre. Lembre-se que ele nos últimos 32 anos construiu um único projeto que o aproximasse do Brasil profundo –o plano real.

Perder, vale lembrar, é um verbo transitivo. Perde-se para alguém. O desafiado de 2022, Bolsonaro, com a resiliência demonstrada segue no jogo. A esquerda e o centro estão com um pé fora de campo. Dos três desafios, por isto mesmo, os deles dois parecem mais urgentes.

 

 

 

 

Por Antônio Britto Filho, 68 anos, é jornalista, executivo e político brasileiro. Foi deputado federal, ministro da Previdência Social e governador do Estado do Rio Grande do Sul.

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