04/08/2020 00:11
”Os manifestantes nas ruas, principalmente jovens, tentam difundir uma nova narrativa histórica sobre a escravidão, rejeitando um passado que deveria ser visto como vergonhoso”
Um dos maiores humoristas brasileiros, Lino Mário da Costa, conhecido por Costinha, fazia graça sem precisar abrir a boca. Seus trejeitos eram tão divertidos, a ponto de levar plateias às gargalhadas. Costinha tinha no repertório uma série de piadas de “bichinhas”, como ele costumava se referir aos homossexuais. Não havia contestação do público. Era pura diversão. Hoje, Costinha teria que se adaptar ao “politicamente correto”, um movimento que trouxe à tona a discussão em torno de comportamentos considerados inadequados nas relações humanas.
Não se trata de crucificar artistas do passado, quando muitos ou todos atuavam de forma ingênua em uma época em que a preocupação era combater os opositores e não os roteiros cômicos.
O politicamente correto, não raro contestado por aqueles que citam a liberdade de expressão, foi, aos poucos, se impondo e retirando dos espetáculos as menções jocosas às mulheres, aos homossexuais, aos pobres e aos negros.
A sua adoção foi um avanço para o Brasil? Um país onde se agride, abusa e mata mulheres, pela simples condição de serem mulheres. Onde os gays são agredidos, mortos e discriminados. Onde os pobres não têm vez e onde os negros são achados por balas perdidas.
Para o filósofo Luiz Felipe Pondé, o “politicamente correto” pode se tornar uma censura fascista do pensamento, um constrangimento no ambiente universitário, na mídia e nas redes sociais, e deve-se combater os seus excessos. Mas ele ressalta que esse posicionamento surgiu de uma preocupação importante, e é sempre útil para aquela pessoa que não teve uma educação doméstica de respeito ao outro, um “grosso” na linguagem popular.
Introduzo essa reflexão para nos ajudar a entender os inúmeros alertas, pelo mundo, para corrigir as injustiças sociais históricas. Um exemplo é o episódio do assassinato de George Floyd por um policial branco, em Minneapolis, Estados Unidos. Suas últimas palavras: “eu não consigo respirar” tornaram-se lema de multidões espalhadas mundo afora pedindo o fim da violência contra os negros e uma nova mentalidade social e política, que permita igualdade de condições e de respeito.
Nas ruas não são apenas os negros, são também os brancos, conscientes, que não enxergam mais sentido na divisão de raças, prática que trouxe dor e sofrimento para a população negra, hoje maioria em sociedades como a brasileira. Os manifestantes nas ruas, principalmente jovens, tentam difundir uma nova narrativa histórica sobre a escravidão, rejeitando um passado que deve, daqui para a frente, ser definitivamente visto como vergonhoso.
Em Bristol, na Inglaterra, a estátua do mercador de escravos, Edward Colston, foi parar no mar após ser arrancada de seu pedestal por uma multidão. Em Boston, nos Estados Unidos, a estátua de Cristóvão Colombo amanheceu sem cabeça na semana passada.
O debate sobre as homenagens àqueles que desbravaram o país às custas de escravos ganha corpo também no Brasil. Podemos dizer que o politicamente correto chegou às estátuas e ao que elas representam. A pergunta que deixo nesta reflexão é a seguinte: se esse debate for adiante de forma equilibrada e sensata, no futuro, teremos um mundo melhor e igualitário? É esperar para ver.
Por Willian Correa