Opinião – Alternativas para assegurar a monetização do gás natural

13/08/2020 10:55

”Gás natural é reinjetado em poços de extração de petróleo para aumentar produção, mas também por falta de infraestrutura para aproveitar o produto”

Brasil precisa de âncoras para impulsionar o consumo de gás natural e ampliar a infraestrutura e impulsionar a geração de renda e empregos no país. É o potencial já perceptível em projetos integrados com a geração de energia elétrica, como os das bacias do Parnaíba e do Amazonas e a construção da térmica Marlim Azul.

Para isso, é preciso impulsionar a exploração do gás nacional –tanto o offshore (alto mar), nas camadas do pré-sal, como o onshore (em terra), com reservas em estados como Maranhão e Amazonas, entre outros.

Para viabilizar essa produção, o país é importante considerar medidas como a sinalização da demanda firme –com âncoras de consumo intensivo que incentivem as companhias do setor a fazer os investimentos necessários para a Exploração & Produção das reservas do gás natural existentes; leilões que considerem a especificidade das localidades em que serão construídas as térmicas; e investimentos para escoar, tratar e transportar esse gás até as distribuidoras e destinos de consumo.

País tem gargalo de infraestrutura. Setor elétrico pode atrair recursos. Há espaço para reduzir reinjeção

A adoção de usinas térmicas (UTES) inflexíveis –ou seja, de uso contínuo– na base do sistema elétrico brasileiro tem sido colocada como uma alternativa para essa discussão. Para a diminuição dos níveis de rejeição no pré-sal, o impacto é inegável, podendo cair para aproximadamente 10%. Hoje, o patamar médio de reinjeção offshore (alto mar) é de 41,5%, o que não se explica somente por razões técnicas como o conteúdo de CO2 no gás. Já a reinjeção onshore (em terra) de 31,6% é explicada quase exclusivamente pelo polo de Urucu, por falta de infraestrutura na região.

Alguns cogitam a possibilidade de exportar o gás do pré-sal como Gás Natural Liquefeito (GNL). No entanto, esse mercado não é atrativo para a destinação do gás do pré-sal, que é associado ao petróleo. Isso porque atualmente 70% das reservas globais de gás natural possuem breakeven inferior a US$ 3,0/MMBTU. Além do mais, no quinquênio 2020-2024, há uma sobreoferta de GNL no mercado global, fazendo com que preços fiquem na faixa de US$ 3 a US$ 7/MMBTU. Logo, o gás brasileiro não seria competitivo no mercado internacional.

O Brasil tem imensas reservas de gás natural ainda inexploradas. As reservas em campos offshore (mar) estão concentradas em São Paulo (68%) e no Rio de Janeiro (27%), com breakeven de US$ 4 a US$ 5 por MMBTU, enquanto as onshore (terra) estão no Amazonas (59%), Maranhão (25%) e Bahia (9%), com breakeven de US$ 2,5 a US$ 3 por MMBTU.

A melhor saída para aproveitar todo esse gás é solucionar os gargalos logísticos aqui existentes, de um lado, e sinalizar uma demanda firme, de outro.

A receita não é complicada. Apenas 10 campos concentram 99,4% do total de reinjeção de gás natural. Deles, onshore, o Campo de Urucu reinjeta mais de 50% da produção. Já offshore, o volume de reinjeção nos campos de Lula e Búzios poderia ser reduzido com a eliminação do gargalo de infraestrutura.

É certo que as empresas de E&P continuarão reinjetando gás natural como uma estratégia de recuperação secundária de petróleo, mas há espaço para redução no nível de reinjeção caso haja sinalização de demanda firme, atraindo investimento.

Uma saída é integrar o setor de gás natural ao setor elétrico. Em 2019, o setor elétrico consumiu em média 29 milhões de metros cúbicos/dia em 2019. Mas a demanda indicativa de uso termelétrico para o gás natural do pré-sal pode alcançar de 41,7 a 50,4 milhões de metros cúbicos/dia adicionais.

A adoção de UTEs pode até contribuir para redução de custos sistêmicos existentes no SEB e para o aumento da segurança na oferta de energia. A criação da demanda firme representada por instrumentos como esse atrai investimentos em infraestrutura de escoamento, transporte e distribuição de gás natural, obedecendo a lógica de indústrias de rede. E a eliminação de gargalos de infraestrutura ainda existentes poderá reduzir o elevado volume de rejeição do gás nos poços, ampliando a oferta.

O uso no mercado doméstico do gás do pré-sal (associado ao petróleo) será sempre uma alternativa mais interessante do que a exportação para o mercado internacional.

Nesse sentido, a interiorização do gás natural é ferramenta de desenvolvimento econômico e social, com geração de emprego e renda.

A interiorização do gás natural via investimentos em infraestrutura até o consumidor final é uma alternativa a ser explorada, visto que o gás natural canalizado em residências consome somente 2% do volume contra média de 14% nas 10 maiores economias do mundo. Para o consumidor da indústria, as tarifas estão na faixa de US$15 a US$ 17 por MMBTU e haveria um espaço significativo para redução de tarifa a partir da redução do custo da molécula.

Uma das vantagens é a segurança energética. A expansão líquida de energia nova leiloada até o momento, de 19 GW, revela que 82% desse volume corresponde a fontes intermitentes, das quais 63% estão no Nordeste. Mas a produção de energia eólica depende de vento, assim como a solar fotovoltaica depende de sol. É preciso ter energia que reduza os riscos sistêmicos inerentes a fontes intermitentes.

Embora o plano decenal de energia, o PDE-2029, tenha avanços para o uso de gás natural do pré-sal, como a inserção de novo capítulo (#12) discutindo cenários alternativos de expansão de matriz energética a gás natural e a incorporação de mais 1.600 MW médios ao cenário de referência para oferta de térmicas, a GN do pré-sal, essa oferta é muito tímida para ancorar demanda para gás associado do pré-sal.

Os cenários atualizados de carga e os leilões de energia já realizados sugerem cobertura da demanda até 2025. Haverá necessidade de leilão somente para atender a demanda de 2026 em diante, o que se casa com uma decisão de investimento de produtores para exploração do gás do pré-sal.

Mesmo adotando-se toda expansão indicativa por plantas ciclo combinado com gás onshore e offshore do pré-sal, é possível argumentar que não haveria impacto significativo para o custo marginal do sistema numa comparação com o cenário base traçado pela EPE, mas que haveria aumento significativo na reserva de potência do SIN, assegurando uma segurança do abastecimento. Ideias como essa, bem como a de considerar especificidades locacionais para a realização dos novos leilões, merecem ser discutidas e estão em linha com o documento “Gás para Desenvolvimento”, editado em maio pelo BNDES, e com o os objetivos do programa Novo Mercado de Gás, do governo federal.

 

 

 

 

Por Damian Popolo, 41 anos, é doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Durham (Reino Unido) e mestre em Ciências Politicas pelo Institut d’Etudes Politiques de Lyon (França). Atua há mais de 10 anos nas ares de petróleo, gás e energia na Eneva e BG Group (hoje Shell). Foi vice-cônsul britânico em São Paulo, onde liderou a cooperação em ciência, tecnologia e inovação entre o Brasil e o Reino Unido.

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