14/08/2020 00:03
Os mesmos ativistas que atacam as lavouras de utilizarem ogms, serão os primeiros a correr atrás da imunização com as vacinas transgênicas, salienta o autor Graziano
Olhe isso: são transgênicas as mais promissoras vacinas contra o covid-19. Sim. A engenharia genética tem se mostrado uma ferramenta rápida, certeira e segura na evolução da medicina humana.
Dentre as vacinas transgênicas, prestes a ser aprovadas nessa pandemia, se destacam:
- A vacina recombinante VSV-DG-spike, desenvolvida no Israel Institute for Biological Research;
- A vacina sintética baseada em biomoléculas ou peptídeos antigênicos das células B e T, da Fundação Oswaldo Cruz;
- O adenovírus recombinante para ChAdOx1 nCoV-19 produzido pela University of Oxford;
- O sequenciamento do mRNA-1273 finalizado pela equipe de pesquisa de doenças infecciosas do National Institute of Health (NIH) e da empresa Moderna;
- Um vetor de adenovírus tipo 5 (Ad5-nCoV), co-desenvolvido pela Cansinotech e o Instituto de Biotecnologia de Pequim.
Outras dezenas de empresas e institutos de pesquisa científica espalhados pelo mundo desenvolvem e testam inúmeras vacinas anti-covid-19, cuja maioria aplica a ferramenta da recombinação genética. Podem ser citadas aquelas da Sorrento Therapeutics, da Novavax, da BioNTech, Pfizer e Fosun Pharma, da Inovio.
Pesquisador da Embrapa, Décio Gazzoni relacionou em recente artigo a utilização dessas transgenias no desenvolvimento da vacina contra o covid-19. O engenheiro agrônomo buscava referências para responder à seguinte pergunta: por que certos ambientalistas combatem tão ferozmente os produtos transgênicos na agricultura, mas não se opõem aos transgênicos da medicina?
Ensaio da também pesquisadora da Embrapa, Maria Thereza Pedroso, vai nessa mesma direção. Falando sobre a crise causada pelo novo coronavírus e as perspectivas das vacinas obtidas pela engenharia genética, ela pergunta: “De que lado estão os anti-transgênicos?
A questão é intrigante. Ativistas pelo meio ambiente, incluindo médicos, costumam atacar as lavouras transgênicas. Mas se calam diante dos avanços extraordinários nos medicamentos humanos obtidos por engenharia genética. Técnica que está unindo a agricultura com a medicina.
Desde 1982 no mercado, hoje praticamente 100% da insulina utilizada pelos diabéticos, globo afora, advém de bactérias (E. coli) modificadas geneticamente. Como se conseguiu essa proeza? Os cientistas conseguiram introduzir, no genoma da bactéria, o plasmídeo do gene humano que comanda a produção de insulina. Como resultado, incrivelmente, colônias daqueles microrganismos passaram a produzir o hormônio humano. Idêntico.
Antes da biotecnologia entrar a campo, a insulina ministrada aos diabéticos era extraída do pâncreas de boi e de porcos. Acredite se quiser. Animais eram sacrificados para amainar o sofrimento das pessoas. Como, porém, a insulina não era idêntica à humana, reações alérgicas ocorriam nos pacientes. Hoje, não mais.
O que pensam os críticos da soja OGM sobre a insulina transgênica?
A medicina transgênica gerou maravilhas como o incrível hormônio do crescimento (hGH) contra o nanismo, doença que afeta 10 mil crianças brasileiras. O Instituto Butantan desenvolve bananas transgênicas contendo vacina contra a hepatite B. O arroz transgênico Golden Rice, biofortificado, pode resolver o problema da hipovitaminose de vitamina A, causa mortis de 670 mil crianças, anualmente, com menos de cinco anos. Entre os sobreviventes, cerca de 500 mil ficam cegos.
Será que a Bela Gil, que condena o milho transgênico, também é contra o Golden Rice?
Quase a totalidade dos queijos produzidos na Europa e no Brasil derivam de microrganismos geneticamente modificados. Na fermentação de cana-de-açúcar, ou de cereais, destinadas à destilação de álcool, também se utilizam agentes OGMs. Até na elaboração de sabão em pó está presente a engenharia genética.
Por que certos ambientalistas apenas são contra os transgênicos do agro?
Retrógrados julgam nefastas as lavouras geneticamente modificadas. Mas a lecitina derivada de soja, normalmente transgênica, é componente emulsionante da absoluta maioria de pães, doces, bolos, tortas, hamburgueres, chocolates e outras guloseimas fabricadas em todo o mundo. Jamais se relatou qualquer problema de saúde provocado pelo consumo desses alimentos industrializados. Nem uma coceira.
Vem aí a vacina transgênica contra o covid-19. Os ativistas anti-transgênicos, porém, farão de conta que o assunto não é com eles. E entrarão na fila para se imunizar. Depois, irão xingar o agro.
Cansa, viu.
Por Xico Graziano, 67, é engenheiro agrônomo e doutor em Administração. Foi deputado federal pelo PSDB e integrou o governo de São Paulo. É professor de MBA da FGV e sócio-diretor da e-PoliticsGraziano.