Análise – Riscos de ineficiência ronda a reforma tributária de Paulo Guedes

15/08/2020 14:08

”Guedes propõe reduzir custos trabalhistas para estimular contratações, mas só a confiança em boas perspectivas leva à busca por aumento da mão de obra”, aponta Kupfer

A reforma tributária voltou ao centro do debate da economia. Com ela, outros temas correlatos também ganharam os holofotes. A criação de uma nova CPMF, aumento da carga tributária, reforma ampla ou fatiada, novas alíquotas e fim de abatimentos no Imposto de Renda, tributação de lucros e dividendos, taxação de heranças e grandes fortunas, desonerações em geral, renúncias fiscais, estão aí para esquentar o fim do inverno.

São muitos também os panos de fundo dessa longa lista de temas polêmicos. É o sistema tributário que precisa ser simplificado, e há também a imposição, inclusive moral, de distribuir de modo muito mais progressivo a carga tributária. Além disso, junto com essas velhas exigências de correção, formam-se agora novas pressões para cobrir gastos, em especial com a possível criação de um programa de renda básica permanente.

Sistema continuaria regressivo. Efeitos econômicos duvidosos. Carga aumenta, mas sem vantagem

Depois de um ano prometendo uma reforma tributária, o ministro Paulo Guedes ligou a metralhadora giratória de propostas e, pelo menos no falatório, parece querer trocar 6 por 3. A julgar pelos balões de ensaio que anda soltando, se puder, o ministro monta numa contribuição cumulativa e regressiva. E, de carona, tenta atender a uma obsessão, cortando custos trabalhistas e tungando empregados, sob a alegação, sabidamente furada, de promover o aumento do emprego.

Assim como uma redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), por si só, não tem o condão de reduzir preços de eletroeletrônicos domésticos, como Guedes anda acenando, a tão perseguida desoneração da folha de pagamentos, incluindo agora um corte no FGTS, não fará sozinha a mágica de abrir vagas de emprego.

A não ser que a reforma tributária de Guedes altera a forma de cálculo do IPI, o imposto continuará sendo cobrando “por dentro”, ou seja embutido no preço do produto. Assim, sem transparência, o preço do produto sempre expressará a situação do mercado, com o imposto embutido servindo apenas de sanfona para o estabelecimento da margem do produtor.

Uma redução do IPI aumentará a margem de comercialização quando o mercado estiver aquecido e for possível praticar preços mais altos, ou, no sentido contrário, aliviará o encolhimento da margem, quando o mercado estiver em baixa e os preços recuarem. Nem o fracasso da aplicação do mesmo e velho truque, nos governos de Dilma Rousseff, parece ser capaz de demover Guedes do experimento.

Também a criação de empregos, pela via da desoneração da folha de salários, não tinha se confirmado nos governos Dilma, quando a prática alcançou níveis recordes. O fato é que, se menores custos trabalhistas podem ajudar empresários a decidir por contratações, só mesmo a confiança em boas perspectivas de venda promoverão para valer um movimento de contratação de mão de obra. Ninguém mantém um empregado só porque seus custo trabalhista é baixo.

É o crescimento da atividade econômica o determinante crítico da expansão do emprego. Sem vendas em perspectiva, a desoneração da folha e outros movimentos na mesma direção, como a ideia de reduzir a parte empresarial da contribuição mensal para o FGTS de 8% para 6% do salário, só produz mesmo precarização da mão de obra.

Não é só a mão de obra que corre risco de precarização com as ideias de Paulo Guedes. A utilização de recursos oriundos de uma CPMF para cobrir a queda de receita do INSS com a desoneração da parcela empresarial da contribuição previdenciária, parte dos planos do ministro, tornaria ainda mais instáveis as condições de funcionamento da Previdência.

Cálculos da equipe de Guedes indicam que uma CPMF com alíquota de 0,2%, ou, como já se começa a falar, 0,25%, arrecadaria R$ 125 bilhões por ano. Desse montante, sairiam R$ 75 bilhões anuais para cobrir a desoneração da folha –R$ 50 bilhões com a redução da alíquota de 20% para 15% do salário de referência e R$ 25 milhões para cobrir a isenção da contribuição para empregados na faixa de um salário mínimo.

Os 40% restantes iriam para redução do IPI de eletroeletrônicos e para uma ampliação das faixas inferiores de isenção do Imposto de Renda. As perdas na arrecadação seriam compensadas com a cobrança de imposto sobre lucros e dividendos, que também cobriria, em parte, a redução do imposto de renda sobre empresas. O saldo líquido, com as alíquotas volumosas da simplificação com a substituição do PIS/Cofins pela CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), a carga tributária aumentaria.

Esse aumento não seria tanto problema, diferentemente do que uma visão mais estática pressupõe, se o sistema tributário resultante contribuísse para o crescimento da economia. Se a economia cresce, a carga tributária tende a diminuir. Mas não faltam riscos de ineficiências na reforma tributária de Guedes.

Primeiro, com desonerações que não dão certeza de liberar a atividade econômica. Depois, com algum tipo de CPMF, que faz urgente reversão da regressividade do sistema correr perigo. E ainda com a mistura do campo tributário com o trabalhista e o previdenciário, confusão sob medida para derrubar a eficiência de que o sistema tanto necessita.

Tudo isso combinando precarização das relações de trabalho, e, no fim, aumento da carga tributária. Para completar, sem nem mesmo estar claro como serão formadas as provisões para suportar os programas sociais, incluindo uma renda básica permanente, já quase impossível de ser contornada, que poderiam contribuir para a expansão da economia e do bem-estar da população.

 

 

 

 

Por José Paulo Kupfer, 70 anos, é jornalista profissional há 51 anos. Escreve colunas de análise da economia desde 1999 e já foi colunista da Gazeta Mercantil, Estado de S. Paulo e O Globo. Idealizador do Caderno de Economia do Estadão, lançado em 1989, foi eleito em 2015 “Jornalista Econômico do Ano”, em premiação do Conselho Regional de Economia/SP e Ordem dos Economistas do Brasil. Também é um dos dez “Mais Admirados Jornalistas de Economia”, nas votações promovidas pelo site J&Cia. É graduado em Economia pela Faculdade de Economia da USP.

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