23/08/2020 00:36
”Bacen: bancos foram beneficiados; pequenas empresas abandonadas; precisam de mais prazo na crise”, alerta Carlos Thadeu de Freitas
Os bancos comerciais foram beneficiados pelo afrouxamento dos compulsórios depositados no Bacen, com o objetivo de ampliar o volume de crédito às empresas e famílias durante a crise. Mas as pequenas empresas são abandonadas no mercado de crédito, uma vez que delas são exigidas condições incumpriveis como contrapartidas para receberem empréstimos.
Esses recursos que dormem nos bancos são remunerados pelo Banco Central (Bacen), e no momento das liberações nada foi exigido das instituições financeiras. Agora o que se vê é um paradoxo, em que muitas empresas sem reservas estão no vale da morte, a maioria de pequeno porte, não porque terem errado, mas pela dificuldade de acessar recursos.
O mercado já olha para o momento de extinção dos benefícios emergenciais, que estão ajudando principalmente o comércio a reduzir as perdas do setor esse ano. As estimativas de redução no volume de vendas do varejo foram revistas, com dados mais favoráveis do desempenho do comércio em junho justamente pela manutenção do consumo proporcionada pelo socorro dos benefícios.
A queda no ano que deveria ser próxima a 13%, deverá ser de 6%. Mas quando se encerrarem os vouchers, teremos desemprego elevado no Brasil com bancos encharcados de liquidez?
Nos mercados internacionais também há questionamentos quanto à disposição dos sistemas bancários em apoiar a sociedade durante a crise da pandemia.
O Federal Reserve Bank (FED) anunciou recentemente uma ampliação nos requisitos de capital dos grandes bancos americanos, com capital acima de US$ 100 bilhões em ativos totais, para garantir maior resiliência no sistema bancário.
Após a crise do subprime em 2008, o Comitê de Basileia publicou padrões regulatórios globais para adequação de capital e liquidez dos bancos pelas novas regras de Basileia III. O objetivo principal das reservas de capital contracíclico é atuar como medida macroprudencial de amplo alcance, a fim de proteger o setor bancário em períodos de excesso de crescimento do crédito agregado associados com o aumento do risco sistêmico, ou decorrente da deterioração da qualidade do crédito, notadamente o aumento da inadimplência.
Durante fases de expansão do crédito o requerimento de capital contracíclico pode ser ativado, em que as instituições financeiras devem constituir reserva adicional de capital precaucionária, que pode ser utilizada na fase de contração do ciclo de crédito.
A experiência mostra que aumentos de capital em “reservas escondidas” é prática comum no sistema bancário, não somente quando há maior hiato entre a evolução do crédito e do PIB. É usual os bancos possuírem mais recursos do que admitem, visto que muitas precificações são subavaliadas. Isso incrementa a alavancagem dos bancos, como o que está ocorrendo agora.
Os Governos liberaram trilhões de dólares em medidas de apoio social, para ampliar os fluxos de crédito e o funcionamento dos mercados, ajudando famílias a manterem suas rendas, e empresas a sustentarem os empregos. A possibilidade de compra de títulos privados pelos bancos centrais foi fundamental para garantir sobrevivência às empresas menores. Mas esses esquemas têm validade.
Para as grandes instituições bancárias o presságio é de um novo período de sobrevivência com lucros fracos, dividendos reduzidos, e nenhum bônus. Em junho, o FED restringiu temporariamente os pagamentos aos acionistas pelos maiores bancos do país, impedindo-os de recomprar suas próprias ações ou aumentar o pagamento de dividendos no terceiro trimestre deste ano, deixando-os ainda mais céticos.
Paradoxalmente à percepção dos reguladores é tentar garantir que os bancos continuem fortes para manter os empréstimos durante a desaceleração induzida pela pandemia.
No Brasil, com o mercado bancário altamente concentrado, a ampliação da liquidez expõe ainda mais o empoçamento dos recursos.
Expectativas indicam que cerca de 200 mil empresas devem fechar as portas em definitivo este ano, especialmente por que não tiveram crédito. Na ocasião da aprovação do orçamento de guerra foi também permitida compra de títulos em ativos de empresas pequenas e médias pelo Banco Central, o que infelizmente não saiu do papel. Se o Bacen tivesse iniciado os processos de compra desses papéis talvez pudesse ser reduzido o número de empresas que em breve morrerão.
Ou o Bacen acelera a compra de papéis das empresas com compromisso de recompra no longo prazo, exigindo manutenção de empregos, ou os bancos possam fazê-lo usando os recursos liberados dos compulsórios. É crucial que as empresas pequenas tenham mais prazo para sobreviver à crise.
As diferenças cada dia maiores entre os juros longos e os curtos no Brasil abrem espaço para os juros nominais e reais caírem ainda mais. Há muita liquidez e entesouramento, logo, no momento não há motivos para asfixiar o setor produtivo por falta de dinheiro.
À exemplo dos vouchers, que estão sendo fundamentais exatamente por não passarem pelos bancos como empréstimos com contrapartidas, evitar o fechamento das empresas é ainda mais importante do que projetos de obras públicas.
Por Carlos Thadeu de Freitas Gomes, 72 anos, é economista-chefe da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo). Foi presidente do Conselho de Administração do BNDES e diretor do BNDES de 2017 a 2019, diretor do Banco Central (1986-1988) e da Petrobras (1990-1992)