24/08/2020 10:11
“A empresa europeia Shell comprou 44% das usinas solares de empresas Silicone Ranch, nos Estados Unidos, e investiu na empresa de energia renovável indiana Husk Power Systems”, diz Julia Fonteles
A partir da crise da covid-19, o setor energético iniciou uma das maiores transformações da história. Desde a revolução do gás natural e o desenvolvimento de práticas de drilling horizontal nos Estados Unidos, a diversidade das fontes de energia vem redirecionando a atenção das petroleiras e abrindo um leque de possibilidades para outros modelos de negócio.
A paralização da economia causada pela pandemia fez o preço do petróleo despencar, abrindo os olhos dos investidores, políticos e empresários que atuam no setor e buscam otimizar rendimentos.
As consequências causadas pela covid-19 dispararam um alarme nas empresas e potencializaram mudanças nos modelos de negócio. Embora com ressalvas, a maioria das empresas petroleiras já havia se comprometido a metas de redução de CO2 antes da pandemia. O baixo custo das renováveis e a consciência ambiental em razão da crise climática já eram sinais da necessidade de diversificação do setor petroleiro.
Petroleiras mudam modelo de negócio. Efeito covid-19 acelera investimentos
Em fevereiro, a gigante britânica BP anunciou a redução em 40% das atividades de exploração de petróleo e gás natural até 2030 e a realização de investimento entre 3 e 4 bilhões de dólares por ano em low-carbon até 2050. Na semana passada, acrescentou ao plano a decisão de suspender a exploração de petróleo em novos países e de diminuir expressivamente a exploração nas plataformas já existentes. A empresa europeia Shell também comprou 44% das usinas solares de empresas Silicone Ranch, nos Estados Unidos, e investiu na empresa de energia renovável indiana Husk Power Systems.
Para uma transição energética eficaz, é importante distinguir o compromisso das empresas, que mudam o modelo de negócios, mas permanecem como grandes players no mercado de energia. Atuando no mercado há décadas, a cooperação entre o setor do petróleo e gás e o de energia renovável é primordial. As petroleiras empregam centenas de milhares de pessoas ao redor do mundo e serão responsáveis pela criação de programas de treinamento e requalificação de mãos de obra, para evitar o agravamento do desemprego.
Outro fator importante nessa colaboração é o nível de expertise das empresas de petróleo. Responsáveis pela a evolução da exploração do petróleo offshore no final do século 20, as gigantes petroleiras têm o conhecimento técnico e a tecnologia necessária para instalar usinas eólicas offshore, por exemplo. Cientes disso, a dinamarquesa Dong Energy, a britânica BP e a holandesa Royal Dutch Shell continuam investindo fortemente em projetos offshore wind em seus respectivos países. As gigantes energéticas também têm acesso a maior volume de capital do que empresas de energia renovável, cujo investimentos e acesso a financiamentos é menos expressivo.
Mesmo com o interesse em diversificar seu modelo de negócio, o setor petroleiro tem algumas ressalvas em relação a esses novos investimentos. Renováveis ainda apresentam um baixo retorno sobre investimento para padrões anteriores, e sua intermitência deixa dúvidas sobre seu papel no fornecimento de energia em grande escala. Esse argumento muitas vezes leva a pensar que o mundo pode estar longe de se livrar do petróleo e gás, mas existem cada vez mais estudos que comprovam que a tecnologia e o know-how já existem, basta potencializá-los e assumir compromissos tangíveis. Publicado há poucos dias, o estudo Mobilizing for a zero carbon America por Saul Griffith e Sam Calisch sugere que a eletrificação do sistema é a solução para crescimento econômico e eliminação da emissão de carbono.
À medida que as empresas de petróleo se transformam em empresas de energia, o mercado vai se tornando cada vez mais integrado e homogêneo. CEO da BP, Benard Looney disse que, com a covid-19, a empresa está se mobilizando mais rápido e com mais ambição, pois se não fizer, provavelmente vai deixar de existir mais cedo do que se imagina.
Por Julia Fonteles, 24 anos, é formada em Economia e Relações Internacionais pela George Washington University e é mestranda em Energia e Meio Ambiente pela School of Advanced International Studies, Johns Hopkins University. Criou e mantém o blog “Desenvolvimento Passo a Passo”, uma plataforma voltada para simplificar ideias na área de desenvolvimento econômico