10/09/2020 00:53
O ministro Paulo Guedes em sessão na Câmara onde entrou em conflito com deputados, em 2019: ”Pede-se programa eleitoral mas ideia não cabe no Orçamento”, destaca Traumann
Brasília, assim como qualquer outro centro de poder, é movida por símbolos. Como em uma monarquia absolutista, o presidente é o centro gravitacional em torno da qual orbitam seus ministros, doadores de campanha, congressistas, jornalistas, lobistas, procuradores e juízes. É uma relação simbiótica. Quanto mais estes precisam do presidente para demonstrar seu poder, mais poder o presidente tem de fato. O ministro que é chamado pelo presidente no fim-de-semana é considerado mais prestigiado do que aquele que é apenas recebido em audiências formais. O líder ignorado é patético como um general sem tropas.
Nesta 3ª feira (1º.set), o presidente Jair Bolsonaro reúne os seus líderes no Congresso para assinar uma medida provisória prorrogando o auxílio emergencial por mais 4 meses ao valor de R$ 300. A notícia saiu primeiro no Poder360, mas a sua confirmação oficial não veio do ministro responsável pelas finanças, Paulo Guedes, mas pelo líder do centrão, deputado Arthur Lira (PP-AL). É simbólico.
A prorrogação do auxílio emergencial dá mais tempo para a equipe de Guedes colocar de pé o Renda Brasil, o programa bolsonarista para engolir o Bolsa Família e reeleger o presidente. A proposta do Orçamento de 2021 apresentada nesta 2ª feira (31.ago) não inclui o novo programa. Burocraticamente é uma decisão acertada. O presidente ainda não definiu o tamanho do projeto e há tempo para emendar o Orçamento enviado ao Congresso. Só que o Orçamento de 2021 é comparativamente o mais apertado dos últimos anos. Ou em outros termos: não há como o governo criar o Renda Brasil e cumprir o teto de gastos ao mesmo tempo.
Nos estudos iniciais, o Renda Brasil iria custar em torno de R$ 60 bilhões –duas vezes o Bolsa Família. Mesmo fazendo maldades –como suspender o Censo, tirar as bolsas do CNPQ e suspender as fiscalizações do Ibama–, o governo arranjaria uns R$ 5 bilhões. A alternativa óbvia é furar o teto de gastos, o cálice sagrado da responsabilidade fiscal. Depois de décadas castigando cada antecessor que aumentava os gastos, Guedes corre o risco de virar o ministro que “furou o teto”.
São tempos difíceis para ser Paulo Guedes. Desprestigiado por Bolsonaro, o ministro tem nas mãos a possibilidade de reeleger o presidente, mas talvez assim perder o prestígio que conquistou junto ao mercado. O presidente será grato e, com muita sorte, o mercado depois de umas semanas de fúria, finja que nada aconteceu. Ou com algum azar, o mercado carimbe Guedes como o ministro que criou um programa eleitoreiro que não cabia no Orçamento. Brasília, como qualquer outro centro de poder, devora biografias.
Por Thomas Traumann, 53 anos, é jornalista, consultor de comunicação e autor do livro “O Pior Emprego do Mundo”, sobre ministros da Fazenda e crises econômicas. Trabalhou nas redações da Folha de S. Paulo, Veja e Época, foi diretor das empresas de comunicação corporativa Llorente&Cuenca e FSB, porta-voz e ministro de Comunicação Social do governo Dilma Rousseff e pesquisador de políticas públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Dapp).