Opinião – Só pensam naquilo

17/09/2020 14:03

”No Congresso Nacional, pretendem-se emendar a Constituição para permitir a perpetuação no poder na contramão da essência republicana da alternância”, diz Roberto Livianu

Enquanto há quase dois anos dormita nas gavetas da presidência da Câmara dos Deputados a PEC que propõe o fim do foro privilegiado, sem ser pautada para votação pelo plenário, os presidentes da Câmara e do Senado articulam nos porões emenda à Constituição para se reelegerem e assim poderem permanecer no poder por mais dois anos. Esta mudança que pretendem, seria respeitosa ao princípio constitucional da supremacia do interesse público?

Enquanto o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso declara publicamente que a reeleição no Executivo foi um enorme erro republicano, é rápida a colheita de assinaturas para a emenda que permite a permanência no poder dos atuais chefes do Legislativo Federal.

Enquanto um ex-Prefeito de uma cidade do Piauí declara em público que roubou menos que o atual, o que o tornaria um político de boa qualidade, a agenda de reformas anticorrupção representada pelas Novas Medidas Anticorrupção propostas pela FGV e TI está deitada eternamente em berço esplêndido, sem qualquer vontade política de impulsionamento de debate nem do Legislativo nem do Executivo, incluída a punição rigorosa do caixa 2 eleitoral.

Nesta mesma Câmara, onde um “substitutivo” clandestino não protocolizado pelo relator, relacionado ao PL 10887/18, pretende literalmente implodir a Lei de Improbidade Administrativa, suavizando significativamente as punições de agentes públicos corruptos.

Enquanto se celebrou ontem o dia da independência do Brasil, pretende-se emendar a Constituição para permitir a perpetuação no poder na contramão da essência republicana da alternância, do arejamento democrático, instituindo-se o retrocesso rumo ao compadrio clientelista. Perpetuação sim. Porque se for permitida uma reeleição, logo surgirá a pergunta seguinte: por que não duas? E assim sucessivamente.

Não há debate público com pauta voltada para o exercício da função da presidência da Câmara e do Senado mais aberto, mais transparente, mais próximo da sociedade. Para a escolha, por exemplo, de representantes junto ao CNJ e CNMP que representem verdadeiramente os interesses da comunidade. O povo é, sem cerimônia, excluído deste processo de escolha, não obstante seja de importância capital o conjunto de atribuições do chefe do Legislativo para os destinos da nação. Mas seguem as articulações pró-reeleições.

Alcolumbre e Maia articulam reeleição
Na contramão da essência republicana
Temas importantes não são priorizados

Enquanto o Latinobarómetro indica em sua pesquisa sobre indicadores políticos, econômicos e sociais da América Latina que, para os brasileiros, 93% dos brasileiros têm a percepção de que os detentores do poder no Brasil usam-no visando o autobenefício, os presidentes Maia e Alcolumbre, em atitude confirmatória ao instituto chileno, usam seu poder de chefes do Legislativo para convencer seus pares a mudar a Constituição para os beneficiar, sequer cogitando que a mudança não se aplique a eles.

Enquanto tudo isto acontece, o Congresso não delibera sobre a prisão após condenação em segundo grau, como já se faz hoje em todo o mundo ocidental democrático. Nem debate uma reforma política para valer, muito menos uma reforma partidária. Mas aprova a Lei 13877/19, que autoriza o uso dos recursos do fundo partidário para compra de iates e helicópteros de luxo por partidos. Assim como uma nova Lei de Abuso de Autoridade, mas que não pune parlamentares no exercício da função legislativa, e sim magistrados e membros do MP, especialmente os que combatem corrupção.

Percebe-se um total descolamento, portanto, entre o dia-dia parlamentar em relação à expectativa da sociedade, que contribui cada vez mais para a agudização ainda maior da já grave crise de representatividade política.

Sendo a essência do sistema democrático o exercício do poder em nome do povo, pelo povo e para o povo, aceitariam submeter esta sua proposição que pretende alterar a Constituição a um plebiscito popular para verificar se a sociedade está de acordo?

 

 

 

 

Por Roberto Livianu, 52, é procurador de Justiça, atuando na área criminal, e doutor em direito pela USP. Idealizou e preside o Instituto Não Aceito Corrupção. Integra a bancada do Linha Direta com a Justiça, da Rádio Bandeirantes, é articulista da Folha de S. Paulo e do Estado de S.Paulo e é colunista da Rádio Justiça, do STF.

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