Opinião – Recuperação econômica mais forte é o maior sucesso do governo

28/09/2020 17:54

As medidas de estímulo adotadas para combater os efeitos do coronavírus na economia têm provocado contínuos avanços nos indicadores de atividade e de expectativas. Dados correntes e a própria reversão das expectativas ainda entre junho e julho impulsionaram cenários menos pessimistas para o PIB esse ano. A economia brasileira deverá ter um desempenho menos negativo dos que outros pares emergentes na América Latina, como Argentina, México e Chile, por exemplo. O sucesso das políticas econômicas que estão suportando a retomada, no entanto, depende agora da manutenção do teto de gastos e da PEC emergencial.

O PIB no segundo trimestre foi o mais afetado pela crise da covid-19, caiu 9,7% na comparação com o primeiro trimestre, segundo o Sistema de Contas Nacionais Trimestrais. O nível de atividade retornou ao patamar do terceiro trimestre de 2009.

”Medidas têm provocado avanços
Cenários estão menos pessimistas”

A restrição ao fluxo de pessoas e o fechamento obrigatório das lojas no país foi sepulcral para muitos negócios de pequeno porte, e fez o setor terciário sofrer as maiores perdas dentre os setores da atividade, estimadas em pelo menos R$ 250 bilhões. O isolamento social acirrou o resultado negativo nos serviços, onde se encaixam atividades que envolvem mobilidade e aglomeração de pessoas, como serviços prestados às famílias, transportes, atividade de recreação, turismo, e alimentação fora do domicílio. Com isso, o setor teve o maior recuo da série histórica (-9,7%), e o comércio encerrou o trimestre com queda de 13%.

Embora o desempenho do PIB tenha sido negativo, como era esperado, a queda estava no intervalo das estimativas, ainda que as medidas de dispersão indicassem e ainda indiquem permanência de incerteza nos modelos.

Os dados do IBGE passaram a mostrar recuperação da produção física da indústria e crescimento no volume de vendas do varejo em maio. Já o setor de serviços passou a recuperar a partir de junho. Apesar das bases de comparação mensais estarem baixas em abril, fato é que a atividade nesses setores começou a melhorar já em maio e junho, e estão sustentando o crescimento, segundo os últimos dados da PIM-PF, PMC, e PMS.

O Banco Central (BC) mostrou crescimento no indicador de atividade, o IBC-BR de julho, de 2,15%, assim como já havia ocorrido em junho, em que o resultado foi revisado para cima, inclusive, indicando aceleração de 5,82% naquele mês.

Impulsionado pelas medidas de suporte à demanda interna, o Monitor do PIB, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), adicionalmente aponta aumento de 2,4% na atividade econômica em julho, comparativamente a junho. De acordo com o indicador, a melhora em todas as atividades econômicas é considerável, apesar de se dar sobre patamar ainda baixo.

Os indicadores antecedentes também mostram sustentação das perspectivas mais otimistas, tanto nas avaliações das condições atuais, quanto nas expectativas para o curto prazo.

O Índice de Confiança do Empresário do Comércio (ICEC), medido pela CNC, havia obtido em agosto o maior incremento da série iniciada em 2011, e renovou o recorde em setembro (14,4%). A avaliação das condições atuais da economia pelos tomadores de decisão no comércio caiu 90 pontos entre março e julho, mas cresceu 65,6% entre agosto e setembro.

As expectativas para os próximos meses, tanto em relação à economia, quanto ao setor do comércio, e ao desempenho da própria empresa reverteram a trajetória ainda em junho, e seguem sustentando o otimismo dos varejistas. Com a evolução positiva da atividade, as expectativas dos comerciantes estão apenas 20 pontos aquém do nível pré-pandemia.

No indicador de investimentos há dois detalhes que merecem destaque: os comerciantes estão mais dispostos a contratar funcionários e investir na renovação dos estoques, após terem incorrido nos maiores prejuízos da história do setor nos últimos meses.

Nesse mês de setembro, pouco mais de 50% dos comerciantes pretendem ampliar o quadro de funcionários, quando em julho, pelo menos 75% dos tomadores de decisão no varejo pretendiam reduzir as contratações. Foi uma mudança bastante rápida no indicador em um intervalo curto.

Quanto aos estoques, o fechamento das lojas não essenciais durante pelo menos quatro meses deixou os produtos obsoletos. Porém, pela primeira vez desde dezembro de 2019, diminuiu a proporção de comerciantes que avalia como acima da adequada a situação dos estoques diante da programação das vendas. Isso indica que nessa fase de flexibilização e reabertura, mesmo com a necessidade de esforço financeiro, é maior a intenção de investir na renovação dos estoques.

A sustentação do mesmo desempenho positivo também é visto nos indicadores antecedentes da indústria e dos serviços. O índice de confiança da indústria da FGV cresceu pela quarta vez entre julho e agosto, recuperando quase que totalmente a queda entre março e abril. Já a confiança dos serviços também medida pela FGV, embora o setor apresente velocidade de recuperação mais lenta que os demais, segue crescendo continuadamente.

O consumo das famílias, principal componente do PIB sob a ótica da demanda respondendo por pouco mais de 62% do cálculo, caiu 12,5% no segundo trimestre. Vale lembrar que desde 2017 a demanda das famílias vinha amparando o crescimento do PIB, ao passo que os investimentos (FBCF) patinavam.

Dentre as famílias consideradas mais ricas o consumo de serviços e o endividamento diminuíram, dando lugar à poupança precaucional. As famílias de menor renda, mesmo com orçamentos domésticos reduzidos, estão se esforçando para manter algum nível de consumo e pagamento de suas contas e dívidas, com a recomposição da renda pelos programas do governo e pelo crédito. Nesse aspecto, a continuidade do benefício emergencial até dezembro, mesmo em menor valor, assim como melhores condições do crédito às pessoas físicas serão fundamentais para sustentar a demanda.

O desempenho do mercado de trabalho em julho, segundo dados do Caged, indicou abertura líquida de 131 mil postos formais, primeiro saldo positivo desde março, embora a pandemia ainda esteja provocando maiores contingentes de inatividade, segundo o IBGE. O isolamento dificultou a busca por emprego nos últimos meses, e reverter essa condição poderá aumentar a taxa de desemprego medida nas próximas edições da Pnad.

Ainda assim, a recuperação gradual do mercado de trabalho, mesmo com participação elevada da informalidade no emprego, também já repercute em melhores expectativas dos consumidores.

De acordo com a Intenção de Consumo das Famílias (ICF), também medida pela CNC, a perspectiva profissional cresceu em agosto (4,6%), após quatro meses de queda. A perspectiva de consumo seguiu o mesmo caminho, com variação positiva (1,5%) após meses de retração. Essa melhora em agosto revela que, apesar de as famílias ainda demonstrarem percepção pouco favorável em relação ao consumo atual, as expectativas de consumo para os próximos meses são mais otimistas.

É consenso que atividade econômica irá acelerar nos próximos trimestres, mesmo que ainda reflita algumas disparidades entre os setores, em que os serviços podem apresentar uma dinâmica mais gradual, dependendo da necessidade de restrição ao fluxo de pessoas. Para o ano fechado a queda do PIB deverá alcançar aproximadamente -5,5%, contrariando estimativas mais pessimistas de queda que chegava a -6,5%

Semana passada, o Copom interrompeu a trajetória de corte na Selic, mantendo a taxa em 2% ao ano, com base nas incertezas para a recuperação da atividade as partir de 2021. Mas a avaliação é que, embora a inflação corrente permaneça abaixo da meta, a alta temporária nos preços dos alimentos e a normalização parcial nos serviços, no contexto de maior mobilidade de pessoas e recuperação na atividade do setor, podem elevar a inflação já no curto prazo.

Nesse cenário em que a política monetária chegou quase ao limite, é ainda mais necessário frear o risco de dominância fiscal. Os juros longos continuam subindo, podendo arrastar os curtos, e impuseram mais desafios para a gestão da dívida pública.

No último leilão do Tesouro semana passada, foi ofertado o maior volume de papeis da história, em que os investidores demandaram taxas mais elevadas. A operação mostrou que mesmo após a recente transferência dos R$ 325 bilhões em lucros cambiais do BC, as necessidades de financiamento do governo seguem elevadas.

Com os altos níveis de gastos, o mercado está pedindo maior deságio nas Letras Financeiras do Tesouro (LFT), pela primeira vez ameaçando os fundos DI, como aconteceu na crise de 2002. Isso revela que não há mais espaço para novas quedas na Selic.

O mais importante agora para selar as expectativas favoráveis, segurar os juros longos, e estimular a continuação do crescimento econômico sem inflação é a posição mais assertiva e contundente sobre o teto dos gastos e a PEC emergencial. O Congresso precisa se convencer de que a solvência fiscal é a prioridade.

Sem equilíbrio fiscal de nada adianta manter ou cortar os juros. E o BC também tem de ser mais corajoso em afirmar que essa é a agenda primordial, e que a Selic pode voltar a subir acima das estimativas no próximo ano, com a persistência dos riscos fiscais. Naturalmente aumentos inesperados dos juros limitarão a retomada da economia no médio e longo prazos.

 

 

 

 

Por Carlos Thadeu de Freitas Gomes, 72 anos, é economista-chefe da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo). Foi presidente do Conselho de Administração do BNDES e diretor do BNDES de 2017 a 2019, diretor do Banco Central (1986-1988) e da Petrobras (1990-1992).

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