Opinião – O poder dos desconectados

02/10/2020 12:36

Profissionais da imprensa em entrevista de Bolsonaro e ministros no Planalto

Não é exagero dizer que nossa mídia comercial está desconectada da maioria dos brasileiros e que isso acaba sendo vantagem competitiva para um presidente que enxerga como adversários políticos os grandes grupos de comunicação. São vários os indícios de que alguma coisa não está funcionando bem, como indica a última pesquisa CNI-Ibope divulgada na 5ª feira (24.set.2020).

O Ibope indagou qual a notícia sobre o governo Bolsonaro era mais lembrada. Nada menos que 40% dos entrevistados não souberam responder e outros 11% disseram que não lembravam de notícia relevante. Somados, são 51%. Ou seja: os principais veículos não estão conseguindo fazer com que a informação veiculada seja retida pela maior parte do público. A única notícia que 10% dos entrevistados diz lembrar é sobre os incêndios na Amazônia e no Pantanal. Duvido que isso aconteça se a notícia for futebol ou Anitta.

A pesquisa confirma o que os leitores já sabiam pelos números quinzenais do: Bolsonaro é hoje um presidente cada vez mais popular entre os mais pobres e menos entre os mais ricos. O brasileiro ouvido pelo Ibope, que ganha até 1 salário mínimo e praticamente não frequentou a escola, ignora o que é dito e repetido exaustivamente pelos que criticam o governo todos os dias.

Há um fenômeno cada vez mais evidente nesta pandemia, que é o apartheid social entre os que têm ou não acesso à internet. Hoje temos crianças e adolescentes estudando remotamente e outros que não puderam aprender durante o ano porque a eles não foi garantido o direito à educação previsto no artigo 205 da Constituição. Entre os que estudaram até a 4ª série do ensino fundamental, o apoio ao governo cresceu de 25% para 44% e subiu de 26% para 40% entre os que têm até a 8ª série. Enquanto a agenda do Congresso estiver focada em discutir fake news em vez de debater universalização do acesso à internet, esta tendência continuará crescendo.

Dos 148 milhões de brasileiros que votam, 47%, ou 69,5 milhões, estão desempregados ou sem renda fixa. Outros 32%, ou 47,3 milhões, ganham até 2 salários mínimos. Somente neste universo temos nada menos que 116,8 milhões de pessoas. É entre estas pessoas que um governo dá certo ou não, são elas que validam e confirmam.

Por exemplo: quem ganha até 2 mínimos ou recebe auxílio emergencial não tem dinheiro para comprar conteúdo de TV a cabo, dos sites de notícias ou de qualquer outro tipo. Um exemplar de jornal custa R$ 5, pouco mais que uma passagem de ônibus no Rio ou São Paulo. Um jornal popular custa em torno de R$ 1,50, o preço de um pão com manteiga nas padarias. Um pacote mixuruca de internet não sai por menos de R$ 30, R$ 40, praticamente o que custa uma cesta básica sem produtos de higiene nos supermercados. A prioridade é andar de ônibus, comer pão com manteiga e garantir uma cesta básica.

Este público excluído da internet e do acesso ao noticiário mais qualificado consome conteúdo de TV aberta, rádio e, quando consegue uma conexão, das redes sociais. Para entender por que as pessoas estão aprovando Bolsonaro e seu governo é preciso tentar olhar as coisas do ponto de vista delas –calçar seus sapatos, como diria Nelson Rodrigues.

Dos 69,5 milhões de eleitores brasileiros mais pobres, pelo menos 67 milhões estão recebendo auxílio emergencial. Na pesquisa do Ibope, assim como em outras que já circularam, eles engrossam o sentimento da maioria desaprovando a forma como o Ministério da Economia combate o desemprego, a inflação e os juros. Aqui um parêntese: os mais pobres não estão se referindo à Selic, mas aos juros do crédito ao consumidor ou aos juros que incidem sobre as contas em atraso. Ao mesmo tempo, reforçam a percepção positiva de melhoria na segurança pública e no combate à pobreza.

Os 116,8 milhões de brasileiros que sobrevivem com até 2 salários mínimos percebem o Brasil e o mundo de maneira distinta de outros 26,9 milhões que ganham acima deste valor, incluindo os 4,4 milhões (3% do total) que ganham mais de 10 mínimos. A realidade são os 116,8 milhões, não os outros.

Não adianta dizer que tudo está horrível e que o presidente não usa máscara, que os filhos do presidente visitam índios sem máscara, que a Amazônia está em chamas, que as onças do Pantanal estão morrendo, se a maioria ignora tudo isso solenemente. Isso vale para a bolha de pouco mais de 4 milhões de eleitores e suas famílias que tiveram acesso à educação, não dependem do auxílio emergencial para comer, nem do transporte público para se movimentar.

O enfrentamento aos principais grupos de comunicação e seus influenciadores promovido por Bolsonaro e seus apoiadores acabou dando certo. Pelo menos até aqui. O governo é percebido de forma positiva por aqueles que decidem a eleição de fato e de direito. Perceber os resultados das pesquisas pelo que elas têm de humano, não como simples percentuais, é essencial para entender este Brasil de Bolsonaro e o mundo pós pandemia. Furar esta enorme bolha dos brasileiros desconectados que se encantaram com o presidente é o maior desafio para a oposição chegar viva e forte em 2022.

 

 

 

 

Por Marcelo Tognozzi é jornalista e consultor independente há 20 anos. Fez MBA em gerenciamento de campanha políticas na Graduate School Of Political Management – The George Washington University e pós-graduação em Inteligência Econômica na Universidad de Comillas, em Madrid.

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