Opinião – País focado no agronegócio será sempre desigual

11/10/2020 11:42

Colheita do algodão, as margens da rodovia GO-436, em Cristalina (GO), 22.07.2020

As últimas décadas do século 20 e as primeiras do centenário atual trazem um cenário incomum para a humanidade. É um dos mais longos períodos sem grandes guerras, durante o qual a medicina evolui a largos passos no controle de doenças e pragas e vacinas são produzidas mais rapidamente que 50 anos atrás. Já a informação está disponível instantaneamente para todas as pessoas, novas tecnologias se desenvolvem de forma acelerada, a democracia avança diminuindo significativamente o número de ditaduras (apesar das ameaças contrárias), o combate aos preconceitos (racial, social e de gênero) está cada vez mais difundido, entre outras mudanças radicais.

No entanto, um fator negativo aponta no sentido contrário desse ambiente de evolução humana –o aumento da desigualdade social, principalmente nos países que não conseguem acompanhar esse desenvolvimento global e crescem muito mais lentamente.

Uma nação pouco difere de uma residência quando analisamos como se atinge uma qualidade de vida cada vez melhor. Tudo depende dos recursos econômicos captados externamente e bem aplicados internamente. Isso porque a evolução no ambiente familiar exige atualizar a mobília de tempos em tempos, enviar os filhos para boas escolas, contratar um bom seguro de saúde, etc. Se recursos externos não se integram nos volumes necessários, muitas dessas ações não serão possíveis de fazer.

Captar mais recursos externos quer dizer enfrentar o mundo melhor preparado; oferecendo valores que despertem interesse, sejam desejados e fujam do comum para se tornarem mais valorizados. O caminho para isso é oferecer produtos e serviços com conteúdo relevante de conhecimento humano, um percurso que requer evolução intelectual (educação) e planejamento. Caso isso não seja feito, o caminho normal é confiar apenas na ajuda da mãe terra, jogando nela sementes e esperando que se desenvolvam para colher, ensacar e vender. Ou seja, praticar eternamente a milenar agricultura, aprendida nos primórdios da humanidade.

O problema atualmente é que na velocidade em que o mundo evolui, a valorização dos produtos e serviços acompanha esse novo ritmo acelerado, diferente do que acontece no agronegócio. Enquanto o grão de soja permanece sempre o mesmo, por exemplo, o telefone celular agrega funcionalidades ano a ano.

Para analisar a relação entre o que se alcança economicamente como país e a qualidade de vida oferecida para a população, utilizo o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) como guia.

fonte: PNUD e The World Factbook

Na tabela acima se encontram os 10 primeiros países que alcançaram melhor posição pelo IDH em 2018 juntas com as duas nações mais importantes da América do Sul. A coluna central indica a participação da agricultura no PIB de cada país. Excluindo a Islândia, que desenvolve fortes atividades de pesca marítima e é um país pequeno, a importância da agricultura em todos os outros não alcança nem metade da correspondente no Brasil e menos ainda da Argentina. Como nenhum dos 2 tem exportações significativas de produtos e serviços, além de se centrarem na agropecuária e minerais como principal atividade, o modelo de desenvolvimento econômico de ambos os Estados sul-americanos é de baixo valor agregado.

Na última coluna da tabela se encontra o índice percentual de exportações em relação ao PIB de cada nação. É aqui que podemos visualizar o número de divisas captadas por cada país em suas relações internacionais. Ignorando os casos de Hong Kong e Singapura, onde as exportações são maiores do que o produzido no país –provavelmente pelo efeito de serviços externos associados aos produzidos localmente–, para os outros 8 países os números mostram que a média das exportações corresponde a 39% do PIB.

Em comparação, o Brasil não alcança nem 1/3 desse montante. Se considerarmos ainda que a maioria desses países com IDH elevado exporta produtos de médio e alto valor agregado, com margens bem superiores aos de baixo valor agregado exportados pelo Brasil, podemos ter uma ideia do diferente impacto da entrada de divisas em cada nação.

As estruturas sociais geradas pelos negócios de baixo valor agregado são caraterizadas pelo alto grau de desigualdade, visto que para se ter acesso à mão de obra barata e desenvolver esse tipo de negócio, o único caminho é contar com a existência de um ambiente de pobreza e miséria. Se ainda as poucas divisas captadas internacionalmente são mal aplicadas internamente, a situação vira catastrófica. Mas isso é uma etapa posterior do problema que leva à desigualdade social. O problema aqui tratado se foca na prática de um modelo de desenvolvimento inadequado e não planejado, que pelas suas características gera empregos de baixa qualidade e remuneração.

Não significa que a atividade agropecuária tenha de ser diminuída ou desprezada. Pelo contrário, ela deve ser expandida e modernizada tanto quanto possível. O problema não é ter como objetivo desenvolver o negócio agropecuário, mas ter apenas o propósito de desenvolver o negócio agropecuário.

Enquanto alguns países fizeram seus planejamentos e adaptaram os modelos de desenvolvimento econômico aos novos tempos (Coreia do Sul, China, Dinamarca, entre outros), países como Brasil e Argentina jamais pensaram seriamente no que “querem ser quando crescer”. E, como escreveu o escritor inglês Lewis Carrol, “quando não se sabe onde se quer ir, qualquer caminho serve”. O resultado é que, a cada mudança de governo a rota que se trata de seguir difere da anterior e esforços consideráveis são desperdiçados.

Portanto, o planejamento econômico de uma nação deve ser uma tarefa maior de Estado e não do governo de turno. É necessário que alguém reúna as melhores cabeças disponíveis e identifique quais os recursos e habilidades que o país possui para ser protagonista nas relações de intercâmbio comercial no mundo, pelo menos em um nível proporcional à sua importância territorial e econômica.

Os benefícios de um país desenvolver de forma contínua o seu planejamento são a melhoria de sua participação nos negócios globais, a geração de melhores empregos, o aprimoramento do nível educacional, a melhoria da qualidade de vida e a diminuição das desigualdades sociais.

 

 

 

 

Por Luis Piemonte, 78 anos, teve carreira de quase 50 anos como executivo de multinacionais nas áreas de melhorias de desempenho e produtividade, além de 20 anos como professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas). É autor do livro “É possível construir uma sociedade mais justa”.

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