Opinião – A Lava Jato vai continuar e acabar ao mesmo tempo

26/10/2020 16:44

O Brasil foi e será sempre o país do futebol. Mas como a seleção canarinho não anda lá essas coisas, o torcedor decidiu se esgoelar em outras arquibancadas. O debate público virou uma briga de torcidas. Direita ou esquerda? A favor ou contra o Mito? Lula foi preso de forma justa ou injusta? A queimada é conservadora ou progressista? E, é claro, querem ou não querem acabar com a Lava Jato?

Tudo o que não vou fazer aqui é entrar nesse jogo (aliás, joguinho de palavras infame, neste contexto, admito). Porque o mundo, a vida, não é binária, como parece fazer crer a “polarização” artificial e tão em moda em nossos tempos.

Então, falando sobre a Lava Jato, especificamente, ela vai continuar e acabar ao mesmo tempo. Essa é a realidade que não cabe nas manchetes, que não dá tempo de explicar nos comentários de um minuto e meio das tevês a cabo, que não dá pra satisfazer a audiência em busca não de analistas, mas de fabricantes de bordões.

Não vá muito longe não, meu caro leitor, minha cara leitora. Veja como você educa seu filho, sua filha, como lida com seu vizinho, com seu chefe: cadê essa polarização toda que tanta gente se orgulha de arrotar em praça pública? Da pra manter um casamento assim? Um namoro? Toda essa onda de “ou é isso ou é aquilo” é uma tremenda tolice.

Vejamos a última decisão do presidente do Supremo, Luiz Fux, considerada a “bala de prata”, salvadora da Lava Jato. Ele trouxe de volta para o poderio do plenário da Corte máxima do país a prerrogativa de julgar processos criminais, antes divididos nas turmas, desde 2018. Alguns dirão: ressuscitou a Lava Jato! Mas outros também dirão: ressuscitou a Constituição. Pois uma turma julgava sistematicamente em contradição com a outra. Ou seja, o Supremo tinha virado uma roleta. Se alguém caísse numa turma, ganhou na loteria. Na outra, caiu em desgraça. Agora não: o Brasil voltou a ter uma Suprema Corte só. É isso é ruim?

A questão é: o grande desafio da Lava Jato já foi cumprido e não será nunca exterminado. A indústria da corrupção sistêmica, assim como o Holocausto, é algo que exigia que diariamente milhares de pessoas espalhadas por milhares de lugares se dedicassem a um único propósito nefasto. Isso acabou. A industrialização, o fordismo da corrupção brasileira, foi devastado.

A corrupção pode e certamente irá continuar. Mas em escala artesanal. Nada comparado com o aparato de destruição em massa do Erário que a Lava Jato pulverizou. Nesse sentido, a Lava Jato vai continuar para sempre, pois é um marco: há um antes e um depois. O próprio governo federal hoje não ostenta o inédito título de quase dois anos sem nenhum escândalo de corrupção? Então?

Mas a Lava Jato vai acabar, sim. Porque ela é uma cirurgia institucional. E não uma instituição. Uma coisa é o combate à corrupção, que deu um salto de qualidade inclusive graças à Lava Jato. Isso não vai acabar, nem depende de pessoas ou de uma operação. Outra coisa é combater o abuso do poder da corrupção e, ao mesmo tempo, combater o abuso do poder daqueles que combatem a corrupção.

Os dois são bons combates e devem ser travados. Não existe contradição entre eles. Um não exime o outro. A vida pública não é uma partida de futebol. Não adianta adotar a atitude dos torcedores e entoar cânticos, xingamentos, vaias e aplausos pavlovianos. Mas se preferirem assim…vamos lá:

Eu sou brasileeeeeiiiirooooo…

Com muito orguuuuulhoooo

Com muito amooooor

Estado Policiaaaalllll

Ninguém mereeeeeeceeee

Não, por favoooorrrr…

PS: Eu já tinha enviado este artigo quando o presidente do Supremo decidiu invalidar uma decisão do ministro Marco Aurélio que “soltou um dos cabeças do PCC”. Não! O que o ministro Marco Aurélio fez foi cumprir a lei em vigor que diz que uma prisão preventiva se torna ilegal caso não seja reavaliada e novamente justificada pela Justiça em 90 dias.

Ora, se a Justiça não cumpre o seu dever, a Justiça é ilegal. E se a Justiça é ilegal, deve cumprir a lei, mesmo que isso favoreça um dos “cabeças do PCC”. O Estado Policial começa quando se deixa a lei de lado e se prioriza o horário nobre, o grito das torcidas.

Processo não tem capa. Ou seja, tanto faz quem seja o nome. O que vale é o conteúdo. As provas. As leis. Fui eu que inventei esse conceito? Construir uma casa é árduo. Destruir qualquer picareta destrói em pouco tempo, vamos lá, britadeira também. Dinamite? Instituições são difíceis de construir, mas trincam como casas.  Então, torcida:

Eu sou brasileeeeeiiiirooooo…

Com muito orguuuuulhoooo

Com muito amooooor

Estado Policiaaaalllll

Ninguém mereeeeeeceeee

Não, por favoooorrrr…

 

 

 

 

Por Mario Rosa, 55 anos, é jornalista, escritor, autor de cinco livros e consultor de comunicação, especializado em gerenciamento de crises.

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