28/10/2020 13:36
Indicadores apontam melhora
Há incerteza com rigor fiscal
Os indicadores coincidentes da economia real, os dados correntes ou um conjunto de séries mensais sobre emprego, vendas, renda, produção industrial, já mostram a recuperação da atividade econômica em formato em “V”. O desempenho mais recente dos índices antecedentes, aqueles que tendem a se mover com certa antecedência ao ciclo da atividade, também indicam que a economia brasileira está em rota de recuperação no último trimestre do ano. Apesar de parecerem coisas opostas, os indicadores antecedentes e coincidentes são correlacionados, já que são elaborados a partir dos mesmos dados.
A confiança de consumidores e empresários são indicadores antecedentes dos quais também fazem parte as defasagens dos próprios indicadores coincidentes. Eles buscam prenunciar tendências de decisões futuras das pessoas físicas e jurídicas. A recomposição da confiança de famílias e empresários tem corroborado os resultados dos índices coincidentes, é mais um importante ativo da recuperação econômica atual.
Como discutido em artigo anterior publicado neste jornal digital, o desempenho dos dados correntes da atividade é melhor do que o esperado, assim como as taxas de juros baixas, têm incentivado o maior otimismo dos agentes. Vale registrar que os juros baixos foram conquistados com o rigor fiscal que começou a ser reestabelecido ainda em 2017. Sem ele, inclusive, não será possível manter os juros nos níveis atuais.
O Índice de Confiança do Comércio da Fundação Getulio Vargas registrou em setembro à 5ª alta mensal seguida, e em médias móveis trimestrais o indicador também apresenta crescimento em todos os segmentos pesquisados.
O ICEC (Índice de Confiança do Empresário do Comércio), apurado mensalmente pela CNC com cerca de 6.000 tomadores de decisão no varejo em todos os Estados brasileiros, cresce há 3 meses consecutivos. A confiança do comerciante recuperou 25 pontos desde junho, quando o indicador havia marcado o menor nível histórico, 66 pontos.
O que se nota são avanços que não se restringem exclusivamente às expectativas de curto prazo, mas todos os componentes da pesquisa de confiança têm apresentado recuperação desde junho –a avaliação das condições correntes e as intenções de investimentos do comerciante.
Destaca-se ainda que, embora o mercado de trabalho tenha sido bastante afetado durante a pandemia, a proporção de comerciantes que pretendem ampliar o quadro de funcionários já é maioria. O último trimestre do ano é habitualmente o melhor momento para o comércio em termos de aumento no faturamento, o que deve ocorrer mesmo nesse ano de pandemia e com redução do valor dos benefícios emergenciais.
Os indicadores antecedentes da indústria e dos serviços seguem o mesmo caminho de evolução positiva, embora nos serviços a recuperação seja naturalmente mais gradual, uma vez que boa parte das atividades do setor envolvem circulação e aglomeração de pessoas.
Sem dúvidas o varejo tem se beneficiado das políticas de regate dos mais vulneráveis, como também da mudança de comportamento temporária dos consumidores. Como já falamos em outro artigo aqui apresentado, nos últimos meses os consumidores ampliaram o consumo de bens em detrimento de serviços. Isso se reflete justamente na evolução favorável dos indicadores coincidentes e de alta frequência das vendas do varejo.
Também em razão da mudança de hábitos e do próprio isolamento imposto pelo vírus nos primeiros meses de pandemia, os estoques tanto da indústria, quanto do comércio sofreram alguns desequilíbrios pontuais e temporários. Além de dificuldades logísticas nas primeiras semanas de restrição à mobilidade, a maior demanda por determinados produtos reverbera nos preços de alimentos, por exemplo, assim como pressões de custos e o dólar mais caro têm influenciado preços de insumos e matérias-primas.
A pandemia tem influenciado os índices de preços de formas distintas, e ainda culminou no maior volume de poupança precaucional das famílias. O aumento das captações nas poupanças é mais um exemplo da recuperação em andamento, pois retrata que os consumidores ainda não estão comprando ativos reais, com medo da aceleração inflacionária. Essa aceleração vem do próprio aumento da demanda.
A ICF (Intenção de Consumo das Famílias), outro indicador mensal produzido pela CNC, voltou a crescer em setembro após 5 quedas consecutivas. Embora o desempenho para meses de setembro ainda registre o menor nível na base de comparação, as famílias têm se revelado mais satisfeitas diante das regras de reabertura do comércio, mesmo que o momento atual ainda exija cautela.
Como componentes da ICF, as condições atuais de consumo voltaram a crescer após meses de seguidas quedas, assim como melhorou o item de acesso ao crédito.
Em relação ao crédito, o número de famílias endividadas diminuiu em setembro pela 1ª vez em 4 meses, após ter chegado ao máximo histórico de quase 68% das famílias no país. A inadimplência também diminuiu, indicando que os consumidores estão se esforçando para seguirem pagando suas contas e dívidas, mesmo no contexto de menor renda.
Mais uma vez os benefícios emergenciais impactaram positivamente a moderação na inadimplência, assim como a carência oferecida pelos bancos em algumas linhas de crédito aos consumidores e empresas.
Outro dado favorável em setembro, relativamente a agosto, foi o Iace (Indicador Antecedente Composto da Economia Brasileira), da FGV e do Conference Board, em que o índice já superou em 1,9 pontos o nível pré-pandemia. E o destaque positivo do indicador foi para o componente da indústria.
Embora se observe que tanto indicadores coincidentes quanto os antecedentes sustentem a retomada da atividade econômica, a nuvem de incerteza é cada vez mais cinza em relação à agenda fiscal. O mercado tem hesitado cada vez mais sobre a sustentabilidade das âncoras fiscais, aumentando o risco de baixa na confiança dos empresários e consumidores, um importante ativo recém-conquistado pelo governo.
Por Carlos Thadeu de Freitas Gomes, 72 anos, é economista-chefe da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo). Foi presidente do Conselho de Administração do BNDES e diretor do BNDES de 2017 a 2019, diretor do Banco Central (1986-1988) e da Petrobras (1990-1992).