Opinião – O futuro dos combustíveis fósseis depois da pandemia

04/11/2020 12:55

Cenário ainda é indefinido
Setor precisa se preparar para o futuro

Fachada da sede da Petrobras, no Rio de Janeiro (RJ).

Todos os anos a Agência Internacional de Energia (IEA) publica um relatório com cenários para mundo energético global, o World Energy Outlook (WEO). Com um olhar holístico sobre o setor mundial, o WEO apresenta projeções para a oferta e demanda por energia, além da velocidade nas tendências na transição energética para um mundo com menos emissão de gases do efeito estufa e com mais penetração das energias renováveis. Porém, sem esquecer do papel, ainda muito relevante, dos combustíveis fósseis para a matriz energética global.

Lançado em outubro, o World Energy Outlook (WEO) de 2020 vai além da visão de como o sistema global de energia pode se desenvolver nas próximas décadas e traz uma abordagem em decorrência da pandemia. A IEA manteve os horizontes usuais de modelagem de longo prazo, com foco nos próximos dez anos. No entanto, diante dos efeitos globais da pandemia em toda a economia, o relatório explorou seus impactos no setor de energia, mapeando as opções que abririam o caminho para uma recuperação sustentável e as ações de curto prazo que poderiam acelerar a transição para oferta de energia limpa.

Pelo lado da demanda, o documento estima que, no ano de 2020, o consumo global de energia cairá 5% e as emissões de CO2 terão decréscimo de 7%. Pelo lado do consumo dos combustíveis fósseis são estimadas quedas de 8% na demanda de petróleo e de 7% no uso de carvão, mostrando claramente como a matriz energética está passando por uma fase de transição para fontes renováveis. A redução na demanda de gás natural será de cerca de 3%, enquanto a demanda global por eletricidade terá queda de 2% no ano.

A incerteza sobre a duração da pandemia, seus impactos econômicos e sociais e as respostas políticas abrem uma ampla gama de possibilidades para o futuro da energia. Portanto, para considerar diferentes suposições sobre essas incógnitas, juntamente com os dados mais recentes do mercado de energia e uma representação dinâmica das tecnologias, o WEO apresenta quatro cenários:

  1. a pandemia estará sob controle em 2021;
  2. a pandemia se prolongará causando enormes danos a economia;
  3. o cenário Net Zero Emissions by 2050, com ondas de investimento público em energia limpa;
  4. o último cenário de crescimento sustentável, mostrando o que seria necessário nos próximos dez anos para encaminhar as emissões liquidas globais de CO2 a zero até 2050.

Apesar da queda no consumo, influenciado pelos efeitos da pandemia, para a IEA, a demanda global de energia voltará ao nível pré-crise no início de 2023, no cenário mais otimista na retomada do crescimento, mas isso poderá ser adiado até 2025 caso a pandemia seja prolongada, segundo demonstrado em outro cenário.

Esse crescimento tem como característica importante, uma tendência de declínio da demanda nas economias avançadas. Nesse sentido, todo o aumento virá dos mercados emergentes e economias em desenvolvimento, lideradas pela Índia. Esse crescimento mais lento do consumo de energia pressionará para baixo os preços do petróleo e do gás, em comparação com as trajetórias pré-crise, embora as grandes quedas no investimento em 2020 aumentem a possibilidade de volatilidade no mercado futuro. Em todos os cenários apresentados as energias renováveis apresentam crescimento.

Segundo o WEO, ainda é muito cedo para prever um rápido declínio na demanda por petróleo. Ainda assim, estima-se que a era de crescimento da demanda global por petróleo atingirá seu pico em dez anos, mas a forma como se dará a recuperação econômica amplia a incerteza na previsão. Em todos os cenários apresentados, a demanda por petróleo se estabiliza na década de 2030.

As mudanças de comportamento resultantes da pandemia têm efeito duplo. Quanto mais longo o isolamento, mais algumas mudanças que afetam o consumo de petróleo se tornam enraizadas, como trabalhar em casa ou evitar viagens aéreas. No entanto, nem todas as mudanças no comportamento do consumidor prejudicam o consumo de petróleo. Ele se beneficia de uma aversão de curto prazo ao transporte público, da popularidade contínua dos SUVs e da substituição tardia de veículos mais antigos e ineficientes. A pressão ascendente sobre a demanda de petróleo, também, dependerá, cada vez mais, do crescimento de seu uso como matéria-prima no setor petroquímico.

O gás natural, conhecido como sendo a fonte de energia da transição, tem o melhor desempenho entre os combustíveis fósseis. Os mercados globais de gás estão amplamente abastecidos e os preços baixos estimularão o seu crescimento. Parte do aumento do consumo, será com a substituição do carvão por gás natural, mas em meados da década de 2020, as perspectivas para o gás começarão a se deteriorar por questões ambientais, pela maior concorrência de energias renováveis, ganhos de eficiência e melhora nas perspectivas de gases alternativos de baixo carbono, incluindo hidrogênio.

Os preços mais baixos e revisões para baixo da demanda, resultantes da pandemia, reduziram em cerca de um quarto o valor da oferta futura de petróleo e gás. Consequentemente, as principais empresas do setor, reduziram o valor de seus ativos e os investimentos caíram um terço em comparação com 2019, e qualquer retomada dos gastos ainda não são claros. Recursos de baixo custo, baixas emissões e diversificação estão se tornando as palavras-chave estratégicas para muitas economias e para empresas produtoras de petróleo e gás. O olhar dos investidores para projetos de petróleo e gás é de ceticismo, dada as preocupações com o desempenho financeiro e a compatibilidade das estratégias da empresa com os objetivos ambientais.

O contexto da pandemia trouxe novas projeções para o cenário mundial de energia. E, tal como nos diversos relatórios, o WEO trouxe suas projeções considerando a influência desse novo momento do mercado mundial. Um ponto em comum nas discussões entre os cenários de maior ou menor otimismo com a retomada do crescimento é o pico da demanda de petróleo e a velocidade da transição energética. É consenso de que o caminho mundial é para uma matriz energética de baixo carbono, mas a velocidade dessa transição é a aposta entre as projeções.

Precisamos lembrar que transição energética não é tarefa fácil, como bem disse o especialista em energia Daniel Yergin. Modificar setores da economia e mudar cadeias de produção dependentes das fontes fosseis não é uma tarefa rápida e barata, principalmente no cenário pós pandemia em que houve reduções significativas de PIB e aumento de gastos públicos pelos países.

A transição da madeira para o carvão como grande fonte primaria de energia global levou 200 anos para acontecer. O primeiro barril de petróleo descoberto na Pensilvânia em 1859, se tornou a principal fonte de energia global, substituindo o carvão, somente em 1960, ou seja, 100 anos depois. A transição em curso, agora afetada pela pandemia, depende e dependerá de diversos fatores e variáveis, mas pode ser otimista demais pensarmos em abandonar os combustíveis fosseis nos próximos 30 anos.

 

 

 

 

Adriano Pires, 62 anos, é sócio-fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE). Doutor em Economia Industrial pela Universidade Paris XIII (1987), Mestre em Planejamento Energético pela COPPE/UFRJ (1983) e Economista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1980). Atua há mais de 30 anos na área de energia.

 

 

Pedro Rodrigues, 32 anos, é advogado, sócio do Centro Brasileiro de Infraestrutura e sócio-fundador do CBIE Advisory. Idealizador e apresentador do Canal Manual do Brasil.

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