16/11/2020 18:43
Pós-covid: Bolsonaro mais popular
Eleições municipais não ajudaram
Derrota de Donald Trump foi aviso
Eleitorado não quer só ideias
O presidente Jair Bolsonaro fez grande empenho nas eleições municipais, colocando sua momentânea popularidade a serviço de uma variedade de candidatos Brasil afora.
O primeiro motivo desse esforço foi estratégico. Bolsonaro entende que prefeituras e governos estaduais são base e fonte de receita para seus principais antagonistas, especialmente o PT e o PSDB.
Com prefeitos alinhados com o governo federal, ele não somente tinha a oportunidade de ampliar seu projeto conservador, como tiraria plataformas importantes de seus adversários.
A segunda razão para o presidente ter se dedicado a fazer prefeitos aliados foi circunstancial. Após o Covid-19, ele ganhou seu momento de maior popularidade, graças, sobretudo, à distribuição de recursos emergenciais.
Seu índice de aprovação, segundo as pesquisas, passou de 50%. Parecia um bom momento para ganhar espaço político em todo o país.
Apesar disso, para o presidente, o resultado das eleições municipais foi frustrante. Seus candidatos foram mal, de maneira geral.
O caso mais significativo foi o de São Paulo, a prefeitura mais rica e poderosa do país. A candidatura de Celso Russomano, que largou na frente, desmanchou na mesma medida em que ele martelava suas afinidades com o presidente.
O atual prefeito paulistano, Bruno Covas, do PSDB, tomou a dianteira e chegou ao dia da eleição com larga vantagem. Russomano perdeu gás até mesmo para chegar ao segundo turno.
Isso numa capital em que o governador, João Doria, que deu o lugar a Covas, não desfruta de grande popularidade. Ainda está fresca na memória do paulistano a saída de Doria em começo de mandato para disputar o Palácio dos Bandeirantes.
No Rio de Janeiro, onde Bolsonaro tem sua base eleitoral, Marcelo Crivella tornou-se outro caso exemplar de como o apoio do presidente pode dar em água. O eleitorado preferiu Eduardo Paes, que não é nenhuma novidade, a repetir um prefeito montado na base evangélico-conservadora que Bolsonaro gostaria de ver prosperando.
O resultado das eleições municipais soma-se à derrota de Donald Trump nos Estados Unidos como um duplo aviso ao presidente. Trump perdeu, sobretudo, porque o Covid-19 liquidou seu principal trunfo, que foi a redução do desemprego. Sua postura em relação à doença também pesou.
Ficou claro que o eleitorado, mesmo o mais conservador, não vota num político apenas por conta de suas ideias e posturas. Vota, sobretudo, no resultado.
Bolsonaro tem agora um grande desafio pela frente. Terá de encarar o efeito reverso da sua popularidade, quando o governo deixar de sustentar o auxílio emergencial, uma vez que a cornucópia do governo federal, ao contrário da lenda, tem seus limites.
O presidente passou seus primeiros dois anos de governo fazendo política – usando as redes sociais para atacar adversários e consolidar sua posição.
Foi a inaugurações de obras que já estavam semi-prontas e fez da presidência uma campanha eleitoral permanente.
Usou a pandemia do Covid-19 para tentar desacreditar governadores de oposição. Porém, pouco fez de concreto para controlar ou debelar a epidemia – ao contrário, transmitiu a mensagem de que a população devia se virar por conta própria.
Assim, Bolsonaro deixou em segundo plano uma atividade essencial da vida de quem está no governo –administrar. É isso que ele precisa fazer agora, se quiser chegar à próxima eleição em condições de vencer novamente.
Um dos raros presidentes americanos que não conseguiu fazer um segundo mandato consecutivo, mesmo tendo a máquina do governo à mão, Trump é um bom exemplo de que falar grosso e jogar para a plateia não é o bastante.
É na administração, justamente, que Bolsonaro ainda não decolou, especialmente na economia. O projeto liberal do ministro Paulo Guedes limitou-se à reforma do sistema previdenciário, essencialmente impopular. E, com o Covid-19, esse projeto desapareceu sem que nada tenha sido colocado no lugar.
O governo passou a depender excessivamente do auxílio emergencial como sua nova e grande bandeira. O próprio Guedes, que antes defendia o fim da participação do Estado na economia, vem prometendo sua continuidade, ad calendas grecas.
A partir de agora, é preciso uma agenda positiva real – e de efeito rápido. O presidente terá de reverter a falta de novas ideias e de fato começar como governo, fazendo mudanças que permitam criar empregos e enfrentar a crise econômica e social de uma forma sustentável – ou sustentável, no mínimo, pelos próximos dois anos.
A crise econômica se avolumou com o Covid-19 e o eleitor, um animal volúvel, que vem sendo comprado com dinheiro fácil está longe de ser burro.
Daqui dois anos, Bolsonaro não será avaliado pelo discurso, mas pela realidade. E ela nunca é boa, sem o trabalho na direção certa.
Por Thales Guaracy, 55 anos, é jornalista e cientista social, formado pela USP. Prêmio Esso de Jornalismo Político, é autor de livros como “A Conquista do Brasil”, “A Criação do Brasil” e “O Sonho Brasileiro”, entre outros. Pertence ao board do Projeto Condorcet, plataforma colaborativa global para o desenvolvimento da democracia na era digital.