Opinião – Não faltam nomes para o centro, faltam votos

16/11/2020 18:21

Moro e Huck têm longo caminho
Ex-juiz e apresentador se encontraram

World Economic Forum/Sandra Blaser

Nos anos 1960, no governo Goulart, o então professor de Harvard e futuro secretário de Estado Henry Kissinger veio ao Brasil tentar entender a crise que se avizinhava. Conversou com os dois polêmicos jornalistas à época, Carlos Lacerda e Samuel Wainer. Como eles se odiavam, Kissinger os viu em momentos diferentes e lhes perguntou em que lugar do espectro político se colocavam. “Centro”, responderam os dois. Kissinger perguntou a Wainer como pessoas tão opostas podiam estar na mesma faixa política: “Estamos no centro. Só que um de costas para o outro”, respondeu Wainer, segundo a biografia “O Homem que estava lá”, da jornalista Karla Monteiro.

Quase 60 anos depois, o “centro” na política brasileira segue sendo uma roupa tamanho único que veste políticos que vão da direita à esquerda, do moralismo ao progressismo, do liberalismo econômico ao liberalismo nos costumes, a panaceia para todos que temem afastar os eleitores medrosos de radicalismos.

A anedota de Kissinger ajuda a entender os percalços das série de conversas entre eventuais candidatos a presidente que pretendem trafegar fora das faixas do bolsonarismo e do petismo. Como contou o repórter Fabio Zanini, na Folha de S.Paulo (íntegra disponível para assinantes), no último dia 30 de outubro, o ex-juiz Sérgio Moro recebeu em seu apartamento em Curitiba o apresentador Luciano Huck para discutir as eleições. Ato seguinte, foram descobertos encontros similares entre Moro e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), em setembro, e o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM), em julho. Soube-se ainda que Huck almoça semana sim, noutra também com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM). O governador do Maranhão, Flavio Dino (PCdoB), repete como mantra que a única chance de derrotar Bolsonaro em 2022 é um acordo no qual esquerda, centro-esquerda e centro possam se apoiar no segundo turno. Dino teve vários encontros com Huck antes da pandemia.

Pode-se perceber com a profusão de políticos citados no parágrafo acima que o problema da formação de uma “aliança nem bolsonarista, nem petista” não é a falta de nomes. É a falta de votos. Em 2018, a direita, centro-direita e centro ofereceram ao eleitor cinco alternativas: Geraldo Alckmin, João Amoêdo, Henrique Meirelles, Marina Silva e Alvaro Dias. Somados eles tiveram menos de 11% dos votos, menos por exemplo do que o terceiro colocado naquela disputa, Ciro Gomes (PDT).

Dos nomes citados, o mais bem colocado nas pesquisas para 2022 é Sergio Moro. Pesquisa PoderData de setembro o mostra em segundo lugar com 13% das intenções de voto contra 35% de Bolsonaro, 10% de Fernando Haddad, 7% de Ciro Gomes, 7% de Luiz Mandetta, 5% de João Dória e 4% de Flavio Dino (o nome de Huck não foi incluído).

Juiz responsável pelas ascensão e queda da Lava Jato, Moro deu entrevista ao jornal O Globo (íntegra disponível para assinantes), em que revelou incrível ignorância sobre meio ambiente (“o governo peca, essencialmente, pelo discurso”), política (ao incluir o vice-presidente Hamilton Mourão entre as opções de uma aliança não-bolsonarista), justiça (ao considerar resultado do inquérito sobre a interferência do presidente a Polícia Federal como “irrelevante”) e autocrítica (ao dizer que não se arrepende de ter aceito ser ministro de Bolsonaro). Na entrevista toda, Moro foi incapaz de citar uma frase sobre desigualdade social.

A entrevista equivocada reacendeu os ânimos contra o estilo polarizador de Moro, rechaçado como parte de uma aliança por atores que vão de Flávio Dino a Rodrigo Maia, de Ciro Gomes ao youtuber Felipe Neto. Como se vê, há vários centros. Todos um de costas para o outro.

Huck e Moro não são filiados a nenhum partido, mas têm ambições presidenciais. É notável que suas movimentações ocorram depois de o PDT de Ciro Gomes ter sacramentado acordos eleitorais com o PSB no Recife, Fortaleza, Rio de Janeiro e São Paulo –acumulando forças na faixa da esquerda não-petista. A ação de Ciro Gomes bloqueou o avanço de Huck e Moro na centro-esquerda.

Ao contrário do que ocorreu na eleição de Joe Biden nos Estados Unidos, achar um nome que congregue o vasto território que vai da centro-direita até a centro-esquerda no Brasil é uma missão impossível. O partido Democrata conseguiu porque o sistema político americano é, na prática, bipartidário, e inclui um período de primárias onde todas as correntes podem se apresentar. No Brasil, no entanto, com sua salada de siglas, a união é altamente improvável, basta ver a quantidade de candidatos sem chances nas eleições municipais, apenas para ajudar na campanha de vereadores.

A articulação mais próxima de um “candidato de centro” ocorreu em 2018, quando o condomínio dos partidos do Centrão (DEM, PP, PRB, PR e Solidariedade) fechou com o candidato do PSDB, dando a ele a maior quantidade de tempo de rádio e TV, recursos do fundo partidário, prefeituras e congressistas. Com tudo isso, Geraldo Alckmin mal teve 5 milhões de votos, menos que um senador em São Paulo.

As lições do fracasso de Alckmin em 2018 e do sucesso de Biden 2020 devem ser aprendidas. Eleições são sobre ideias, sobre o espírito do tempo. Em 2018, o eleitor brasileiro queria jogar o sistema político na lata de lixo. Naquele momento específico nomes como o de Sergio Moro, Luciano Huck ou Joaquim Barbosa teriam possibilidades reais de vencer. Alckmin ou um candidato do PT que não fosse Lula não tinham chances desde o primeiro dia.

Em 2020, a eleição americana foi sobre a pérfida condução do governo da covid-19, o racismo e a exaustão pessoal com o estilo Trump. Era o momento de um moderado como Biden.

Apostar qual será o clima de 2022 é especulação, mas se a oposição “nem-Bolsonaro, nem-PT” quer entrar no jogo com chances vai precisar discutir além de nomes, o que os eleitores querem. Afinal, são eles os donos dos votos.

 

 

 

 

Por Thomas Traumann, 53 anos, é jornalista, consultor de comunicação e autor do livro “O Pior Emprego do Mundo”, sobre ministros da Fazenda e crises econômicas. Trabalhou nas redações da Folha de S. Paulo, Veja e Época, foi diretor das empresas de comunicação corporativa Llorente&Cuenca e FSB, porta-voz e ministro de Comunicação Social do governo Dilma Rousseff e pesquisador de políticas públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Dapp).

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