Opinião – O crédito como suporte da recuperação econômica em 2021

20/11/2020 18:06

Economia se recupera mais depressa
Empréstimos têm crescido na crise
Ritmo é mais vigoroso na pandemia

A recuperação econômica atual foi embasada no consumo, possibilitado pela transferência de renda do benefício emergencial. A injeção de liquidez e o crédito barato também ajudaram famílias e empresas a sustentarem algum nível de consumo e manter empregos.

Indicadores do Banco Central (BCB) mostram que o suporte à liquidez e ao crédito no Brasil para enfrentamento da pandemia foi superior às práticas dos pares emergentes. A redução do valor das transferências e a própria extinção do benefício em 2021 fará do crédito uma variável chave para sustentar a recuperação da economia.

Os dados do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) de setembro reforçam que a economia está se recuperando em ritmo mais acelerado, e, com isso, o PIB em 2020 poderá ser ainda menos negativo do que o esperado. Em algumas regiões, como no Norte, a atividade alcançou o nível de antes da pandemia.

Em setembro contra agosto, o IBC-Br cresceu 1,3%, acima da mediana das expectativas que era de 1%. Na comparação com setembro de 2019 houve queda de -0,77%, resultado que, embora negativo, também foi melhor do que a mediana das estimativas (-1,30%). Acumulado no terceiro trimestre o incremento no indicador de atividade chega a 9,5%.

Esses resultados devem fazer com que a economia caia ainda menos esse ano, considerando adicionalmente que o último trimestre é mais favorável à atividade. Com black friday e festas de fim de ano se aproximando, teremos crescimento das vendas e do faturamento no comércio. O PIB pode fechar 2020 com redução abaixo de 4,5%.

Esse desempenho menos negativo da economia no Brasil está ancorado no enorme esforço das políticas fiscal e monetária, que foram conduzidas pelo Ministério da Economia e BCB com muita rapidez e robustez no enfrentamento da crise.

Em termos de ampliação da liquidez e liberação do capital dos bancos, segundo o BCB, o suporte representou até o início de outubro cerca de 17,5% do PIB doméstico. Esse percentual é pelo menos 7% superior ao que a Colômbia conseguiu liberar, por exemplo.

Quanto ao crédito, o suporte no Brasil alcançou a proporção de 20% do PIB. Em uma visão comparativa com outros países emergentes, o percentual é mais elevado do que na Índia (3,9%), Rússia (1,1%), México (5,3%), Coreia (15,4%), Argentina (18,3%) e Austrália (14,9%).

Há muita liquidez e os bancos podem emprestar ainda mais, o que deu certo principalmente com a adoção do sistema de garantias do Tesouro Nacional.

Diante do cenário de incertezas inéditas que a pandemia gerou nos primeiros meses a partir de março, buscando destravar as concessões de crédito, o Ministério da Economia juntamente com o BNDES lançou o Programa Emergencial de Acesso ao Crédito (PEAC). A premissa do Programa é reduz o risco de inadimplência das instituições financeiras nas operações de crédito, principalmente para empresas de menor porte, ao oferecer garantias que podem chegar a 85% do valor da operação. E essas garantias são concedidas pelo Tesouro.

É mais uma importante iniciativa para estimular que os recursos cheguem nas empresas, fazendo do crédito ainda mais relevante como fator anticíclico de apoio à recuperação econômica.

Diferentemente do que ocorreu na crise de 2015/2016, os empréstimos têm crescido em ritmo mais vigoroso durante a pandemia, no contexto de taxas de juros nas mínimas históricas, e inadimplência controlada. Isso indica que o Sistema Financeiro Nacional (SFN) está hoje mais forte e resiliente.

De acordo com dados do BCB, as operações totais de crédito no SFN com recursos livre e direcionados chegaram a 52,8% do PIB, e acumula crescimento real de mais de 8% em 2020. O estoque de crédito às pessoas físicas é da ordem de 29,4% do PIB, enquanto às pessoas jurídicas, a proporção é de 23,4%.

fonte: Banco Central

Como se observa no gráfico, os saldos das operações totais de crédito vinham acelerando desde meados de 2019, e esse aumento ficou mais robusto desde março desse ano, com as medidas de enfretamento da crise de saúde.

O ciclo atual de expansão do crédito é favorável, em que, segundo os dados do BCB, a carteira tem evoluído com liquidez mais elevada, redução contínua das taxas de juros, inclusive nas operações com recursos livres, e inadimplência controlada, com reduções nos volumes de atrasos nos pagamentos das pessoas físicas e jurídicas. Naturalmente que, neste caso, a carência aplicada em diferentes linhas ajudou a manter a capacidade de pagamento de famílias e empresas durante a pandemia.

Na economia real podemos dizer que as políticas implementadas pelo governo foram muito exitosas. Como o Brasil já gastou quase 10% do PIB para recuperar a economia, podemos e devemos gastar menos no próximo ano, e financiar os mais vulneráveis e o consumo via crédito.

Os bancos estão recebendo mais depósitos à vista e devem ampliar ainda mais os empréstimos. O BC pode liberar os compulsórios condicionados ao maior volume de empréstimos para as pequenas empresas e aos informais. Nada mais justo na atual conjuntura.
O sucesso da recuperação em V também depende agora, além dos estímulos creditícios para 2021, da aprovação da Pec emergencial. As medidas fiscais são necessárias para tentarmos enxergar os cenários mais para frente, pois os mercados gostam de trabalhar com quadros bem desenhados.

Com a falta de sinalização do Congresso para aprovação da Pec e um repique nas estatísticas negativas da pandemia, os mercados estão ficando cada vez mais ansiosos, bastando olhar as cotações do dólar e a instabilidade das bolsas de valores, que são indicadores que refletem risco e incerteza.

Esse contexto revigora os argumentos de que devemos continuar com as transferências emergenciais, mas no Brasil podemos e devemos aumentar operações de micro crédito na tentativa de aliviar os gastos fiscais.

 

 

 

 

Por Carlos Thadeu de Freitas Gomes, 72 anos, é economista-chefe da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo). Foi presidente do Conselho de Administração do BNDES e diretor do BNDES de 2017 a 2019, diretor do Banco Central (1986-1988) e da Petrobras (1990-1992).

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