Opinião – A experiência de ser candidato sem dinheiro

25/11/2020 13:30

Eleitores escolheram quase 58.000 vereadores em 2020

Ano passado, fez sucesso nas redes sociais uma reportagem escrita da BBC sobre como trabalham os deputados suecos: sem cafezinho, sem assessores, dormindo em quitinetes, sem nenhuma mordomia.

Achei interessante. Tanto que neste ano fui candidato a vereador em São Paulo pela 1ª vez na vida e adotei, com alguma pretensão, o apelido de vereador sueco, porque queria replicar aqui o mesmo modo de trabalho de um parlamentar nórdico.

Até entrevistei uma deputada sueca, a Hanna Gunnarsson, que confirmou a natureza de desprendimento com que os representantes daquele país encaram seu trabalho (leia a entrevista que fiz com ela aqui).

Mas fui mais radical: resolvi concorrer sem gastar um tostão, mesmo tendo direito a Fundo Eleitoral. Abri mão também de qualquer doação. O duro é que a lei eleitoral obriga todo candidato a abrir pelo menos uma conta bancária. Não se imagina que alguém queira questionar a necessidade de qualquer dinheiro em uma eleição.

Hoje, com internet, a vida pregressa de qualquer candidato é, ou deveria ser, pública. E eu sempre fui radicalmente contra panfleto, santinho e todo tipo de gasto em eleição. Fonte de desperdício, de sujeira, além de maquiagem estéril e padrão em ideias e imagens. Todo o mundo prometendo mudar sua vida.

Queria replicar aqui o modo de trabalho sueco. Sem assessores, sem motorista, sem nada. Um vereador em São Paulo tem direito, fora chefe de gabinete, a até 17 assessores. Pode usar mais de R$ 300 mil por ano em despesas como material de escritório. Não consigo achar isso normal. E quando contatei dezenas deles, há cerca de 2 anos, para relatar o problema de escorpiões na cidade, só 2 responderam e porcamente.

Uma pergunta que ouvi com frequência foi como eu trabalharia sem assessores. A resposta é que eu faria aquilo que a literatura acadêmica chama de job crafting. Em outras palavras, minha ideia era redesenhar radicalmente o cardápio de atividades de um legislador.

Iria excluir atividades de baixo valor ao cidadão, como homenagens (cada vereador tem direito a indicar 8 pessoas ou entidades por ano para receber diversas homenagens) e atendimentos paroquiais.

Infelizmente, temos ainda a cultura do vereador de bairro. Ouvi uma história, de uma eleição passada, sobre um prédio em que os moradores estavam incomodados com a visão de uma “comunidade” que crescia no terreno ao lado. Procuraram o vereador “do bairro”, que conseguiu um muro maior para esconder aquele pedaço de Brasil e mais iluminação na rua. Virou o herói do prédio e conseguiu votos praticamente unânimes.

Analfabetismo político é a regra. As pessoas não sabem ou não ligam para o fato de que não existe vereador de bairro e que toda benfeitoria é conseguida à custa de troca de favores nada republicanos. Ele deixa de fiscalizar o poder Executivo e se torna um eixo da máquina. Com a influência que consegue nos órgãos públicos, reelege-se com facilidade. Velha política na veia, mas os moradores daquele prédio, contou minha fonte, foram em massa protestar nas ruas contra a corrupção há alguns anos.

O analfabetismo também se estende à gestão pública. Moradores de um bairro de alto padrão, próximo ao meu, reclamam nas redes sociais que pagam um IPTU elevado, que não retorna em nada ao bairro e só vira benfeitoria em outras partes da cidade. Mal sabem que a capital paulista gasta quase tudo que arrecada com esse tributo apenas com a previdência municipal.

Fiz uma campanha absolutamente utópica. Não deixei de trabalhar; pelo contrário, meu trabalho só aumentou durante a pandemia e ainda fui premiado com o surgimento de hipertensão.

Deixei minhas leituras de lado e dediquei cerca de uma hora por dia a atividades de campanha, que se resumiam a alguns conteúdos escritos e vídeos curtos, feitos com software gratuito, para o Youtube, Instagram e Facebook. Um grupo de voluntários me ajudou a divulgar o conteúdo. E só. Sem gastar, de fato, um centavo.

Além da proposta de redesenho do trabalho de um parlamentar, foquei em 2 temas centrais para mim, a emergência climática e a experiência do cidadão.

Minhas expectativas eram baixas. O jogo é bruto e desigual e hoje, ao que tudo indica, somente pautas identitárias e influencers têm conseguido romper suas barreiras.

Na utopia, consegui 813 votos e um aprendizado valioso. De graça.

 

 

 

 

Por Hamilton Carvalho, 48 anos, estuda problemas sociais complexos. É auditor tributário no estado de São Paulo, doutor e mestre em Administração pela FEA-USP, ex-diretor da Associação Internacional de Marketing Social, membro da System Dynamics Society e da Behavioral Science & Policy Association. É filiado à Rede Sustentabilidade.

Tags: