Opinião – Bolsonaro e o apito para cães

25/11/2020 13:20

Presidente insinua fraude em eleição
Prepara discurso para 2022

Presidente Jair Bolsonaro na frente do Palácio do Alvorada em conversa com apoiadores

Foi um Jair Bolsonaro abatido que se mostrou aos cinegrafistas de TV e fãs na 2ª feira (16.nov.2020), depois do massacre nas eleições municipais de domingo. “Eu peço para não gravar nada para ninguém. Eu não estou passando bem hoje não. Fui dormir agora”, disse Bolsonaro em torno das 9h, na saída do Palácio Alvorada, onde mora, para o Palácio do Planalto, onde trabalha. Em 32 anos de política, desde que se elegeu vereador no Rio de Janeiro em 1988, esta foi a primeira vez que Bolsonaro saiu de uma eleição derrotado.

Não que ele admita. Em sua conta no twitter, Bolsonaro escreveu que “a esquerda sofreu uma histórica derrota nessas eleições, numa clara sinalização de que a onda conservadora chegou em 2018 para ficar”, como se falasse de uma realidade paralela. E completou com uma frase aparentemente inofensiva, mas que incluía o que na política é conhecido como ‘apito para cães”.

Primeiro a frase:

“Para 2022 a certeza de que, nas urnas, consolidaremos nossa democracia com um sistema eleitoral aperfeiçoado”.

“Apito para cães” é a metáfora para definir uma estratégia de comunicação na qual uma mensagem geral inclui uma senha secreta que um grupo específico compreende e compartilha. Assim como assovio do apito não é captado pelos ouvidos humanos, o código também passa desapercebido da multidão. “Sistema eleitoral aperfeiçoado” é o código bolsonarista para insinuar fraude nas eleições e colocar em dúvida a lisura do processo.

O apito para cães de Bolsonaro ganhou força com a demora do Tribunal Superior Eleitoral em divulgar os dados totais no domingo. Por mais que o TSE tenha resolvido o problema em poucas horas, a imagem da competência da apuração foi afetada. Bolsonaro sabe e se aproveitou disso:

“Eu estou sempre ouvindo a população, e eles querem 1 sistema de apuração que possa demorar um pouco mais, não tem problema nenhum, mas que seja garantido que o voto que essa pessoa deu vá para aquela pessoa de fato”, declarou. Na conversa com apoiadores no Alvorada, Bolsonaro lembrou que o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional uma regra que tornava obrigatória a impressão do voto nas eleições. Pelo projeto em tramitação no Congresso, as urnas eletrônicas vão emitir um comprovante do voto em papel que será depositado em uma urna que será escrutinada em caso de denúncias de fraude.

Desde que as urnas eletrônicas foram instituídas no Brasil em 1996, nunca houve comprovação de fraude. A única queixa ocorreu na eleição presidencial de 2014, pelo mau perdedor Aécio Neves, que depois confessou ter recorrido da derrota “só para encher o saco”.

Bolsonaro sempre incentivou as teorias de conspiração contra as urnas eletrônicas. Em março, numa viagem aos EUA, o presidente disse que apresentaria “brevemente” provas de que havia sido eleito no primeiro turno em 2018. Passados mais de 250 dias, nenhum indício foi apresentado.

Apitos para cães não precisam de provas, mas de suspeitas. Pesquisa da (DAPP-FGV) (Diretoria de Acompanhamento de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas) mostra que entre o domingo das eleições e a 2ª feira, a possibilidade de fraude foi o segundo assunto mais comentado nas redes sociais, atrás apenas do candidato Guilherme Boulos, a maior surpresa do primeiro turno.

Estudo comparativo do DAPP-FGV, em cooperação com o TSE, mostrou que, desde 2014, foram postados mais de 330 mil links sobre suspeitas de fraudes nas eleições. O recorde de posts e vídeos jogando suspeita sobre o sistema eleitoral foi em 2018 com 32.586. Até setembro de 2020, haviam sido 18.345. A maior parte desse material é reaproveitado a cada eleição, apresentado como novidade a suposta entrega dos códigos das urnas para militares venezuelanos, as provas da vitória bolsonarista no primeiro turno de 2018 e a ação de hackers comprovando a fragilidade do sistema eleitoral (Leia a íntegra).

Ao apelar ao apito para cães, o presidente alimenta as teorias conspiratórias do submundo da internet e mimetiza a tática de seu ídolo, o presidente americano Donald Trump. É uma forma de se mostrar vítima de um grande complô do sistema e, lógico, se esconder dos fatos.

Dos 59 candidatos apoiados publicamente pelo presidente Bolsonaro nas eleições municipais, só 11 foram eleitos no pleito de domingo. Seus candidatos a prefeito em São Paulo, Belo Horizonte, Recife e Manaus sequer foram para o segundo turno. Nem a famosa Wal do Açaí, a servidora fantasma que cuidava da casa dos Bolsonaros em Angra dos Reis, conseguiu se eleger vereadora. Ao insinuar fraudes nas eleições, Bolsonaro prepara o discurso para 2022 de que só aceitará a sua reeleição como resultado.

 

 

 

 

Por Thomas Traumann, 53 anos, é jornalista, consultor de comunicação e autor do livro “O Pior Emprego do Mundo”, sobre ministros da Fazenda e crises econômicas. Trabalhou nas redações da Folha de S. Paulo, Veja e Época, foi diretor das empresas de comunicação corporativa Llorente&Cuenca e FSB, porta-voz e ministro de Comunicação Social do governo Dilma Rousseff e pesquisador de políticas públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Dapp).

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