Opinião – ”Qual o papel das empresas no financiamento político-eleitoral”?

27/11/2020 12:53

2º turno das eleições municipais será realizado no domingo (29.nov.2020)

O financiamento de campanhas eleitorais e partidos políticos esteve, ao longo dos últimos anos, no centro da maioria dos escândalos de corrupção que abalaram a confiança do brasileiro no sistema político-eleitoral. As eleições de 2020 mostraram que as profundas mudanças no sistema de financiamento político não isentaram essa atividade dos riscos de corrupção e irregularidades. Para reduzir estes riscos, além de avançar na transparência de partidos políticos e candidaturas, é mister reconhecer que o setor privado segue tendo um importante papel a desempenhar na promoção da integridade no financiamento político.

Foi em 2015 que o Supremo Tribunal Federal decidiu proibir a doação de empresas e demais pessoas jurídicas para candidaturas e partidos políticos. Há indícios, todavia, de que pessoas físicas –proprietários, sócios, diretores de grandes empresas– estão assumindo o papel de doadores no lugar das pessoas jurídicas que representam ou a que estão associadas. Este quadro apresenta um agravante no que se refere à transparência dos interesses representados pelas doações que são, em si, perfeitamente legais: com as doações realizadas por pessoas jurídicas, era possível, presumindo que fossem declaradas, identificar ao menos alguns dos interesses políticos e econômicos que representavam. Isso tornava possível acompanhar a atuação do recipiente das doações, caso eleito/a, com relação a políticas públicas e decisões que afetassem aqueles interesses.

No cenário atual, faz-se necessário realizar um passo adicional para fazer este acompanhamento, qual seja, identificar a que interesses econômicos ou políticos os doadores individuais podem estar relacionados. Com estruturas corporativas complexas e uma ainda limitada transparência de beneficiários finais das empresas brasileiras, este esforço se torna missão de jornalismo investigativo ou pesquisa acadêmica, fora do alcance da imensa maioria dos eleitores.

Especialmente, em eleições municipais ou estaduais será, com frequência, impossível identificar a verdadeira origem de doações eleitorais e os interesses por trás delas. Quando for possível identificar os vínculos corporativos de doadores, no entanto, a associação entre os interesses da empresa e da pessoa física doadora serão imediatamente conectados, tornando essencial que empresas se comprometam com o estabelecimento de regras e diretrizes para doações individuais. As informações sobre os vínculos de doadores do prefeito Bruno Covas, em São Paulo, com o setor imobiliário são o exemplo mais recente dessa questão.

A ausência de um limite fixo para doações individuais potencializa o papel de doadores individuais em disputas locais, principalmente. Está em vigor apenas uma limitação proporcional a 10% do rendimento bruto registrado pela pessoa no ano anterior, de modo que pessoas com rendimentos elevados podem contribuir com montantes capazes de desequilibrar as eleições.

A existência e a publicação de uma política sobre contribuições políticas já é boa prática internacional para empresas e passo essencial para prevenir e combater a corrupção. A proibição de doações corporativas no ordenamento brasileiro não isenta, portanto, as empresas nacionais de assumirem um papel proativo de autorregulação do engajamento político de seus empregados, sócios e representantes que tem ganhado crescente relevância. Simplesmente proibir que realizem doações não parece alinhado com a promoção e proteção dos direitos fundamentais, que incluem, necessariamente, os direitos políticos. Afinal, o próprio Supremo já reconheceu que doar é uma expressão destes direitos.

Um levantamento entre as 20 maiores empresas doadoras de 2014 demonstrou que estas optaram por alternativas distintas em 2018: proibir, orientar ou não interferir. Comum, no entanto, é a ausência de diretrizes detalhadas e específicas para eleições, compatíveis e proporcionais aos riscos de cada empresa e aos papeis desempenhados por cada indivíduo nestas organizações. É importante que essas diretrizes contenham regras de transparência e integridade sobre o engajamento político, principal, mas não exclusivamente na forma de doações, para pessoas ligadas à empresa, assim como regras gerais de conduta em eleições.

Há, ainda, evidências de que, apesar de proibidas, foram realizadas doações (em espécie ou em serviços e bens), via ‘caixa 2’, por pessoas jurídicas nas eleições de 2016 e 2018, demonstrando a importância de um forte compromisso e ações concretas por parte do setor privado objetivando o efetivo cumprimento da legislação brasileira.

Vale lembrar, ainda, que a proibição de doações corporativas foi contrabalanceada pelo aumento dos recursos públicos destinados a financiar campanhas e partidos políticos. A origem pública destes recursos aumenta o ônus dos recipientes em utilizá-los com integridade e transparência. Reformas recentes (Lei nº 13.877, de 2019), no entanto, contribuíram para aumentar a opacidade do financiamento político, na contramão do que recomenda a Convenção contra a Corrupção da ONU (art. 7.3).

É importante refletir, também, sobre o papel que empresas, como fornecedores de bens e serviços para campanhas e partidos, podem desempenhar na promoção da integridade nos gastos eleitorais. Empresas podem, por exemplo, fornecer informações durante a campanha sobre a contratação de serviços e aquisições realizadas por candidaturas e partidos políticos para que o TSE confira a veracidade dos dados declarados pelas campanhas (art. 93, Resolução nº 23.607, de 2019).

De outro lado, já foi diagnosticado que a grande maioria das empresas contratadas como fornecedoras por partidos políticos padecem de algum tipo de irregularidade. Focando-se em empresas pequenas e médias e nos setores de risco elevado, como gráficas, agências de publicidade e empresas de tecnologia e consultoria, há uma oportunidade de introduzir mecanismos de compliance e integridade e utilizar o relacionamento destas com grandes empresas, para disseminá-los.

O fim (oficial) do financiamento empresarial de campanhas e partidos políticos não pode ser considerada uma carta-branca para que empresas se isentem definitivamente de contribuir com a promoção da integridade e da transparência nas eleições brasileiras. Melhor que empresas reconheçam logo que a sua vinculação às campanhas eleitorais pelas doações realizadas por pessoas físicas associadas e pelo papel que desempenham como fornecedoras exige um efetivo engajamento no combate à corrupção eleitoral.

 

 

 

 

Por Guilherme France é advogado e consultor em transparência, integridade e anticorrupção. É mestre em História, Política e Bens Culturais pela Fundação Getulio Vargas e mestre em Direito Internacional pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. É autor do livro “As Origens da Lei Antiterrorismo no Brasil’ e co-autor das ‘Novas Medidas contra a Corrupção”

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