Opinião – Por que sou otimista sobre 2021

07/01/2021 13:41

Governo soube ser keynesiano
Recessão menor que esperada
PIB deverá ser reduzido em 4%
Teto de gastos será respeitado

Sérgio Lima/Poder360 00.00.0000

No último artigo publicado neste jornal digital, fiz um balanço do ano da pandemia, como a economia sentiu e reagiu à crise de saúde, discuti alguns impactos das principais medidas de resgate das famílias e empresas. Os estímulos aos condicionantes do consumo fizeram a recuperação do comércio ganhar destaque dentre os grandes setores da atividade. O PIB do terceiro trimestre cresceu a 7,7%, a maior taxa observada na série histórica das contas nacionais do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), após ter caído nos 2 trimestres anteriores (9,5% e 1,5%). Esse avanço retirou o país do quadro de recessão, mas a reação do Brasil à crise merece uma reflexão além das estatísticas e da conjuntura.

O comércio evoluiu com destaque para o setor de serviços, seguido pela indústria, que foi impulsionada pelo avanço da indústria de transformação. O consumo das famílias também respondeu com grande crescimento, em função das medidas de estímulo à recomposição da renda, como também pela geração liquida de postos de trabalho formais no país a partir de julho. Os investimentos cresceram mais de 11%, com alguma segurança jurídica conferida pela agenda de reformas, e as promessas de concessões e privatizações.

A recuperação em forma de V em praticamente todas as atividades econômicas, embora em ritmo menos acelerado nos últimos meses de 2020, vem sendo antecipada pelo índice de atividade do Banco Central (IBC-Br). Os bons resultados motivaram revisões para a queda na atividade esse ano, que deverá ser de 4%. Está contratada uma nova taxa de crescimento perto de 2% para o PIB do último trimestre. Esse período do ano é especialmente importante ao varejo, mesmo com os valores reduzidos do auxílio emergencial, e o 13º salário dos pensionistas do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) tendo sido antecipado no início da pandemia.

Contudo, após os bons números da economia no 2º semestre deste ano, outro período mais difícil se avizinha na virada do ano.
O fim do benefício emergencial deve desacelerar o consumo das famílias nos primeiros meses de 2021. A renda das famílias mais pobres entrará em 2021 ainda pressionada pela inflação dos alimentos, com alguma influencia também de itens de higiene pessoal e limpeza, e energia elétrica. Em 2020 o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) deve ficar próximo a 4,3%, mas a ociosidade, a retirada de estímulos, e a boa safra agrícola atuarão para que o índice chegue bem próximo a 3% em 2021.

A taxa de desemprego deverá continuar elevada, pois mais pessoas deixarão a inatividade e buscarão uma colocação no setor formal. Por outro lado, o nível elevado de poupança prudencial deve assegurar algum consumo e estabilidade dos indicadores de inadimplência.

Pelo lado do comércio exterior, o desempenho expressivo das exportações de commodities deve compensar a quedas nas importações, que foram afetadas pela depreciação do real em relação ao dólar. Embora a moeda norte-americana viesse ganhando força antes mesmo da pandemia, a crise gerou uma nuvem de incerteza que recaiu sobre as moedas emergentes, em relação à capacidade de esses países reagirem à crise e as condições fiscais necessárias para tal.

O Brasil fez mais do que o dever de casa, adotou medidas robustas no contexto de queda dos juros longos e manutenção da Selic em 2%, o que garantiu recursos para rolar a dívida pública. Com ajuda norte-americana para a sociedade e seus agentes, o dólar ganhou força no Brasil. A alta deve deixar uma fonte de preocupação no próximo ano, no que diz respeito aos repasses para os preços internos e pressões sobre juros que impactam a dívida.
Mas o combate à crise está criando condições para promovermos mudanças estruturais no funcionamento da economia brasileira. E para isso, precisamos olhar além dos números conjunturais, e passar para uma análise dos aspectos de longo prazo.

Um dos pontos é que o processo de globalização já sofre transformações, pois em função dos riscos inerentes à transmissão do coronavírus, a ultra mobilidade entre os mercados foi influenciada.

A saída foi buscar ainda mais disrupção tecnológica, e os ganhos não vão se restringir a apenas mais um ciclo econômico. A economia está ganhando um impulso para o desenvolvimento de longo prazo, com inovações em vários segmentos e etapas dos processos produtivos. Como disse Joseph Schumpeter ainda na primeira metade do século 20, o sistema capitalista não acaba porque sempre se reinventa.

Outro ponto é a rápida capacidade que o governo e o Banco Central mostraram para reagirem à crise. O Ministério da Economia adotou a face keynesiana quando necessário, lançando medidas ágeis e muito eficazes em comparação a outras economias emergentes e até mesmo desenvolvidas, na estabilização dos efeitos da pandemia na economia real, na vida das pessoas e empresas. O governo conseguiu ampliar gastos com os mais vulneráveis ao passo que a arrecadação estava em queda em razão da retração econômica.

Com isso, naturalmente o deficit fiscal aumentou no período mais agudo da crise, e somente com retorno do crescimento econômico sustentado é que que será possível alcançarmos superavits primários recorrentes que estabilizem a curva da dívida pública. Por enquanto vamos conviver com taxas de crescimento mais moderadas.

Durante alguns meses vimos um rally do Tesouro Nacional com o mercado para rolagem da dívida, com elevação dos prêmios de risco, pois os mais céticos pregavam a teoria do colapso pelo abismo fiscal. Não se concretizou, a dívida fechará o ano abaixo dos 100% do PIB (Produto Interno Bruto). A inflação temporariamente mais alta com Selic baixa ajudará o perfil da dívida mobiliária nesse fim de ano.

O teto dos gastos deve ser cumprido ano que vem, com remanejamento e cortes de R$ 20 bilhões. Mais uma vitória da equipe econômica. Na elaboração do orçamento de 2022 deveremos ter uma folga devido ao repique da inflação nesse final de 2020, elevando o limite para o teto em 2022. Não haverá que se falar em furar o teto no futuro, a menos que o presidente deseje.

O que pode trazer a sensação de que 2020 não acabou com a virada do dia 31 de dezembro é o agravamento recente da crise da covid-19. Com mais contágio, hospitalizações e infelizmente mais mortes, teremos novas restrições à circulação de pessoas nas principais cidades do país e, consequentemente, novas restrições às compras físicas. Alguns dados de alta frequência já mostram pequena redução nas vendas do varejo em novembro. Por isso acreditamos na moderação do crescimento econômico nos próximos resultados trimestrais.

Mesmo com todas as conquistas, governo e Congresso precisarão avançar no debate sobre o como enfrentar o novo momento da pandemia em 2021. Essa questão seguirá emergente mesmo após uma recuperação mais rápida da economia em 2020.

A definição de um programa de vacinação sensato nos deixa esperançosos de que o controle da pandemia vai promover ainda mais o funcionamento da economia brasileira, que se beneficiará ainda do crescimento da demanda no mundo ocidental, liderado pelo avanço da China.

No entanto, vale notar que, com exceção da LDO, a pauta política relevante do Congresso ficou para 2021, e a pandemia requer que as pautas andem mais depressa.

 

 

 

 

Por Carlos Thadeu de Freitas Gomes, 72 anos, é economista-chefe da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo). Foi presidente do Conselho de Administração do BNDES e diretor do BNDES de 2017 a 2019, diretor do Banco Central (1986-1988) e da Petrobras (1990-1992).

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