Opinião – A despedida dos falsos Bolsonaros

21/01/2021 10:28

Para enfrentar a crise, sobrou o populista

Finalmente, temos um só Bolsonaro. Desde as eleições, em 2018, ele tinha sido obrigado a viver na companhia de alguns outros, que aceitou por interesse ou conveniência passageira. Da Faria Lima e da Paulista, recebeu um Bolsonaro bem vestido, liberal, decidido a reduzir o tamanho do Estado, modernizar a economia e ampliar a inserção internacional do país. E ainda humilde, capaz de perguntar o que deveria fazer a um posto de gasolina.

De Curitiba e da classe média brasileira, revoltada com os desmandos no período PT, veio o Bolsonaro contra a corrupção, determinado a impedir o uso do governo para qualquer finalidade partidária ou privada. Um personagem também generoso, capaz de dividir a cena com Sergio Moro. E de todas as geografias brasileiras, frustradas com a incapacidade recente da política brasileira em promover justiça e desenvolvimento, chegou o personagem desmedido, corajoso, pronto para enfrentar a “velha política”, ser contra “tudo o que está aí”.

Todos falsos, duraram o tempo decorrido entre a eleição e os dois primeiros anos de governo. O Bolsonaro das reformas na verdade adia, evita, opõe-se a qualquer delas. O Bolsonaro liberal tornou o posto de gasolina uma referência sem utilidade. Não serve nem para abrigar lava jatos. O Bolsonaro contra tudo e contra todos agarra-se como pode ao Centrão.

O país cobra reformas? Bolsonaro só aceita se simpáticas e populares. O país pede um mínimo de moderação? Bolsonaro opõe-se para tentar manter sua tropa mobilizada e fanatizada, como se estivesse em marcha para tomar o Capitólio. O país pede uma agenda para enfrentar os problemas? Bolsonaro pergunta: quais problemas? Melhor negá-los.

Não há mais os personagens imaginários, intencionalmente construídos pelos que quiseram ou precisaram apoiá-lo para encerrar os desmandos do PT. Resgatado das falas falsas que o enredo eleitoral sugeria, temos agora no palco o Bolsonaro raiz, verdadeiro, o de sempre.

Um ser humano autoritário, com um passado de perigosas frustrações. Um político tosco com reduzida capacidade para entender o país e seus problemas. E que, isolado diante de adversidades que se ampliam, torna-se mais perigoso porque encontra refúgio no único idioma que conhece para dialogar com a complexidade absurda da crise: o populismo, instrumento que usará cada vez mais e agressivamente em defesa do projeto de reeleição.

Chegamos, portanto, a um ponto onde a crise não é nosso maior problema. Terrível mesmo é constatar que não a estamos enfrentando e, nessa medida, vamos agravá-la. Esta é a questão central para 2021: o Bolsonaro que restou não terá condições de enfrentar a crise que se aproxima pela perfeita combinação de uma economia que demora mais que o previsto para se recuperar, governos insuportavelmente asfixiados financeiramente e a população carente como nunca de políticas públicas, gestão eficiente e volumosos recursos que ajudem a devolver empregos e empresas. E, para piorar o quadro, um Congresso há três meses sem votar projetos importantes, imobilizado por uma disputa interna que se deve estender suas consequências por um bom período de tempo.

Os otimistas devem pensar que o país, tão resistente a tudo, aguenta mais dois anos e, em 2022, alguma equação politica virtuosa vence e como prêmio recebe um Brasil a ser refeito, enfim vários sonhos em uma só frase. Os realistas podem estar pensando o quanto estes próximos 23 meses serão uma sofrida eternidade para os brasileiros. E, apesar da aparente apatia com que tantas mortes e tantas crises tem sido suportadas pela população, quanta ajuda divina necessitaremos para chegar até lá sem novos sobressaltos.

 

 

 

 

Por Antônio Britto Filho, 68 anos, é jornalista, executivo e político brasileiro. Foi deputado federal, ministro da Previdência Social e governador do Estado do Rio Grande do Sul.

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