10/03/2021 13:08
Lei do Gás será votada na Câmara Federal
Rejeição à emenda do Senado será ruim
Brasil encerrou o ano de 2020 com uma retração econômica de 4,1% e com isso concluiu a década com crescimento médio de 0,3%, a pior década dos últimos 120 anos, tornando-se mais negativa inclusive que a década de 80 cujo crescimento médio foi de 1,6% a.a. no período.
Analisando o desempenho por segmento, novamente o agronegócio foi o destaque positivo com crescimento de 2,0% em 2020, porém tanto a indústria quanto o setor de serviços tiveram retrações de 3,5% e 4,5%, respectivamente, refletindo de maneira conjuntural os efeitos da pandemia –que impactará a performance novamente em 2021 dada a velocidade de imunização da população brasileira e advento de novas cepas do coronavírus– e estruturalmente a produtividade total dos fatores.
O ano de 2021 marca o início da próxima década e os efeitos da pandemia, o mais perverso sendo o número de vidas perdidas, trouxeram reflexões de como iniciar um novo ciclo de crescimento econômico por parte tanto de países desenvolvidos quanto emergentes. Invariavelmente as palavras infraestrutura e sustentabilidade farão parte da fórmula da retomada do crescimento econômico, portanto criar condições de incentivo à investimentos em infraestrutura –como já apontados por uma série de estudos internacionais e nacionais– é uma das maneiras mais eficientes e céleres para reduzir a pobreza via geração de emprego e renda para a população.
Na última década, países do oriente, em particular China, Índia e países que compõem o sudeste asiático (da sigla em inglês ASEAN) tiveram crescimento médio anual de 5,0% e aumento médio no consumo de energia elétrica de 6,6% a.a. no mesmo período, portanto uma elasticidade de 1,32x. No continente Africano, a performance não foi muito distante, com crescimento médio na última década de 3,8% a.a. e consumo de energia aumentando em média 6,0% a.a., portanto com elasticidade de 1,58x. Ásia, África e Oriente Médio correspondem a 77% da população mundial e 88,8% do crescimento populacional verificado em 2020.
Em comum com o Brasil o fato de serem países emergentes e portanto com gap de desigualdade de renda e indicadores sociais em relação aos países desenvolvidos. O papel da infraestrutura nesses países tem sido fundamental para elevar suas populações da extrema pobreza para classe baixa e média e futuramente para classe alta. A China retirou 800 milhões de pessoas da extrema pobreza nos últimos 40 anos e alcançou renda per capital em 2020 ligeiramente acima de US$10.000 e espera dobrar a renda per capita até 2035.
O Brasil possui dois grandes setores de infraestrutura que podem ser protagonistas de um ciclo virtuoso de crescimento econômico: o de energia e saneamento básico.
No caso do setor de saneamento básico, a aprovação do marco legal em 15 de Julho de 2020 foi o pontapé inicial de maior participação da iniciativa privada na expansão da cobertura de água e esgoto em todo território nacional. No caso da energia, a lei do gás poderá cumprir papel semelhante, desde que se entenda o estágio atual da indústria de gás natural brasileira.
Na próxima terça feira dia 09/03 poderá ser votada a Lei do Gás na Câmara Federal. Caso o texto aprovado seja o original da Câmara e não o que foi emendado no Senado estaremos perdendo mais uma oportunidade de tornar o gás um energético protagonista, sem falar na perda de geração de emprego e renda. E por que isso? Porque o texto da Câmara dá margem a judializações e, ao invés de incentivar investimentos em infraestrutura acaba por incentivar quem não investe em capital fixo, logo não gerando empregos e renda.
No tocante à judicialização rejeitar as emendas ao PL 4476/2020 aprovadas pelo Senado Federal é efetivamente quebrar o pacto federativo, tirando dos Estados a autonomia concedida pela Constituição Federal no que tange ao serviço de distribuição de gás canalizado.
É essencial considerar que qualquer investimento, independentemente de sua origem, requer segurança jurídica e total preservação dos contratos, o que certamente não está garantido com a rejeição das emendas, uma vez que a quebra do pacto federativo levará à completa judicialização do setor.
Manter a redação do PL 4476/20 tal como aprovada em setembro de 2020 é garantir a estagnação do setor e pior perder oportunidade de levar o gás natural a todos os brasileiros gerando empregos e renda e tudo isso não vai ser alcançado por falta de estabilidade regulatória e segurança jurídica.
O texto da Câmara não permite o acesso não discriminatório e negociado de terceiros interessados, inclusive dos produtores de biometano, aos gasodutos de transporte. Com isso, impede a entrada dos produtores de biometano no setor, desincentivando a diversificação de ofertantes –fator relevante para o aumento da competição no setor.
Inviabiliza que a atividade de transporte de gás natural seja exercida por meio de Parceria Público-Privada (PPP), abrangidas a construção, a ampliação, a operação e a manutenção das instalações.
Considerando-se que, em mais de 10 anos não foi construído um metro sequer de novos gasodutos de transporte e é papel do governo federal incentivar o desenvolvimento regional, a emenda do Senado é extremante oportuna para atrair o necessário investimento em infraestrutura de que o país precisa.
Ao rejeitar a emenda ao inciso VI e ao Parágrafo Único do artigo 7, a Câmara do Deputados pode estabelecer em lei a interferência regulatória nos Estados e a quebra do Pacto Federativo e, consequentemente, obriga a judicialização do setor. Além da interferência regulatória, não aprovar esta emenda do Senado coloca os consumidores em risco de suprimento, pois muitos gasodutos de distribuição possuem a função de reforçar o sistema e a não aprovação prejudicará a expansão do sistema de distribuição.
Para dar competitividade e expandir o mercado é fundamental atrair investidores, ao rejeitar a emenda do Senado ao artigo 30 o texto da Câmara incentiva a estagnação do mercado e elimina a perspectiva de geração de empregos e renda e aumento da arrecadação para a União, Estados e Municípios e a mais uma vez serão os parlamentares os responsáveis por reduzir as oportunidades de desenvolvimento econômico e social do País.
Por Adriano Pires, 62 anos, é sócio-fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE). Doutor em Economia Industrial pela Universidade Paris XIII (1987), Mestre em Planejamento Energético pela COPPE/UFRJ (1983) e Economista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1980). Atua há mais de 30 anos na área de energia