Opinião – Antes do 5G, cidades já podem ser mais inteligentes e sustentáveis

15/04/2021 12:48

População urbana segue aumentando
Cidades no Brasil não são sustentáveis
Inovação é a ferramenta mais viável
Mudanças exigem vontade política

Enquanto aguardamos a disponibilização das frequências da rede 5G, eu gostaria de fazer um convite à reflexão sobre o futuro da nossa sociedade e o impacto positivo que os avanços tecnológicos poderão ter na nossa qualidade de vida.

Hoje, 85% da população brasileira vive em ambientes urbanos, segundo dados do IBGE. Projeções do instituto mostram que, mesmo com a desaceleração no ritmo de crescimento populacional no Brasil, há um aumento no número de municípios com 100 mil a 1 milhão de habitantes, mostrando que a população urbana segue em ascensão.

Este movimento é global e vem sendo acompanhado de perto pelas Nações Unidas, que esperam que, até 2030, ou seja, em menos de uma década, mais de 60% da população mundial viva em cidades. Indo um pouco mais adiante, a previsão é de que, em 2050, teremos dois terços de pessoas vivendo fora em áreas urbanas.

Quem vive em grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro sente no seu dia a dia as consequências do crescimento desordenado. Além do alto custo de vida, há problemas como poluição, ineficiência no transporte público, trânsito, limpeza e segregação social, que geram ambientes pouco saudáveis para seus habitantes. A ONU coloca a preocupação com os movimentos de urbanização nos seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, documento cujo 11º item pede por Cidades e Comunidades Sustentáveis até 2030. A questão também está na Nova Agenda Urbana, redigida por especialistas de diversos setores durante a conferência Habitat 3, realizada em Quito (Equador) em 2016. O texto intergovernamental apresenta diretrizes para desenvolvimento urbano sustentável nos próximos 20 anos.

Uma cidade sustentável, segundo as Nações Unidas, é aquela com espaços urbanos socialmente justos, economicamente viáveis e ambientalmente corretos. Assim, do ponto de vista dos especialistas, as cidades devem ser ambientes que promovam o convívio saudável entre os cidadãos, que forneça serviços de saúde, educação e transporte com qualidade, além de segurança física e habitacional.

Esta, porém, ainda não é uma realidade para a maioria das cidades brasileiras. Mas, ao mesmo tempo, não se trata de um sonho tão distante e impossível de ser alcançado. Para tanto, porém, é preciso contar com planejamento de médio e longo prazos, vontade política e o uso massivo de tecnologia.

Relatório de Tecnologias e Inovação 2021, divulgado na Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), mostra que a digitalização é um processo econômico e industrial irreversível que pode gerar renda, reduzir desigualdades e promover a sustentabilidade ambiental. O documento mostra que os avanços tecnológicos são a nossa melhor saída rumo à recuperação econômica no pós-pandemia. Mas faz também um alerta: é preciso que haja uma ação coordenada do poder público, porque as consequências do atraso tecnológico podem ser muito graves.

Hoje, o conceito de cidade inteligente une esses três pilares: tecnologia, economia e urbanização. Mas ainda não estão falando de 5G. A 5ª geração de rede irá acelerar e tornar novas tecnologias muito mais viáveis, mas, enquanto ela não está disponível, os municípios já podem se preparar para enfrentar os dilemas do crescimento populacional, por meio do desenvolvimento de um ecossistema urbano inteligente, capaz de estimular um processo de crescimento sustentável.

Estamos falando de investimentos na infraestrutura de telecomunicações, expandindo a conectividade já existente para as periferias das cidades, em projetos de mobilidade urbana e, principalmente, na criação de uma cultura digital de comunicação e gestão do poder público municipal.

As inovações tecnológicas, segundo o World Cities Report 2020 (WCR), The Value of Sustainable Urbanization, serão as ferramentas mais viáveis para combater os problemas trazidos pela urbanização acelerada, tais como: excesso de resíduos, emissão de gases poluentes, habitação, mobilidade e baixo engajamento da população.

Em Copenhague (Dinamarca), uma das cidades mais inteligentes do mundo, um sistema municipal de aluguel de bicicletas com GPS reduziu as emissões de gases causadores do efeito estufa e melhorou a mobilidade urbana. Em tempos de pandemia, este tipo de medida pode auxiliar no distanciamento entre pessoas, evitando aglomerações nos transportes públicos.

Nos Estados Unidos, grandes cidades como Nova Iorque possuem lixeiras públicas inteligentes, com sensores que avisam quando estão cheias e, assim, as equipes de limpeza só fazem a coleta onde há necessidade. Este sistema economiza tempo, reduz os gastos com combustível e também reduz a poluição do ar.

Da mesma forma, as cidades brasileiras não precisam esperar pelo 5G para começarem a ser mais inteligentes. Precisam de vontade política e um planejamento que vá além dos quatro anos de mandato dos prefeitos e vereadores. A rede por si só não faz nada sozinha, é preciso ter um ecossistema, cultura e pessoas capacitadas para operar em um ambiente digital e este processo precisa começar agora.

De acordo com o WCR, o mercado de soluções voltadas às cidades inteligentes está crescendo rapidamente, de US$ 622 bilhões, em 2017, para US$ 1 trilhão, em 2019, podendo chegar a 3,5 trilhões de dólares em 2026.

Especialistas apontam que as novas tecnologias que estão se desenvolvendo na esteira do 5G, como internet das coisas, inteligência artificial, blockchain e aprendizagem de máquina, serão as principais ferramentas para o crescimento sustentável de cidades, estados e países. Os relatórios da UNCTAD e da Nova Agenda Urbana mostram que a transformação digital tem o potencial de mitigar os danos econômicos causados pela pandemia e reduzir a distância social e econômica para os países que forem capazes de enxergar com antecedência o seu potencial. Por outro lado, a demora na adoção dessas premissas pode criar abismos sociais e econômicos ainda maiores.

De que lado vamos ficar?

 

 

 

 

Por Atilio Rulli, 60 anos, é diretor sênior de Relações Governamentais na Huawei do Brasil. Já atuou como gestor de Rede e Data Center da Prodam-SP, passando por multinacionais como Cabletron, Enterasys e Cisco, onde foi responsável pela área de Diretorias Regionais de Vendas.

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