Opinião – Punição criminal para a perseguição virtual (“stalking”)

15/04/2021 13:07

LGPD coíbe práticas abusivas
Lei moderniza instrumentos

O advento da rede mundial de computadores –a chamada internet– causou uma verdadeira revolução no mundo, nos sentidos mais profundos, densos e efetivos da palavra revolução. A chamada era da informação foi impactada decisivamente, já que a nova dinâmica estabelecida em relação à circulação e difusão informacional ganhou contornos ineditamente avançados.

O jornalismo romântico dos jornais impressos e seus “furos de reportagem” não teria como competir com a nova realidade dos portais digitais, guarnecidos por equipes robustas de reportagem, que conseguem transmitir a nova informação ao público quase de forma sincronizada em relação à ocorrência dos fatos. Alguns cliques separam o acontecimento de sua comunicação e difusão.

A primavera árabe foi articulada pelas redes sociais, que mobilizam as pessoas pelo mundo. Agora temos já consultas médicas por telemedicina, os aplicativos nos permitem otimizar a mobilidade, hospedagens, alimentação e uma infinidade de outros serviços. As pessoas começam relacionamentos afetivos, conectando-se por redes sociais ou sites de relacionamentos.

Muitos se conectam, outros se acomodam neste tipo de relação digital e, por esta razão, acabam se afastando. E outras tantas cometem crimes usando a internet. Os golpes digitais têm aumentando exponencialmente, especialmente nos tempos de isolamento em virtude da pandemia. Há comercialização de entorpecentes, através da internet, além das ameaças, “cyberbullyng”, “cancelamentos” e “lacrações”.

Ao mesmo tempo em que se difundiu o uso da internet em todos os níveis, para as mais diversas finalidades, com ganhos evolutivos tecnológicos, criou-se uma verdadeira esfera existencial paralela, retratada em relação ao mundo das redes sociais no documentário “o dilema das redes”, onde se descrevem as técnicas e metodologias utilizadas para capturar e viciar seus usuários, visando o lucro.

Infelizmente, nos tempos atuais percebe-se a prática reiterada de comportamentos inadequados no campo virtual. A Lei Geral de Proteção de Dados veio para suprir uma parte desta demanda. Uma nova lei atenderá uma outra faceta relevante, pois infelizmente é corriqueiro tomar-se conhecimento de práticas abusivas violadoras da liberdade individual.

O Direito Penal, em especial, vem passando por processo de adaptação a estes novos tempos e na semana passada, escreveu-se um novo capítulo desta sequência com a criminalização do crime de perseguição, conhecido popularmente como “stalking”. A Lei 14.132 de 31 de março incluiu novas figuras punitivas no grupo de crimes dedicados a proteger a liberdade individual.

A partir de agora, a perseguição reiterada, inclusive no campo digital (via Instagram, Facebook, Twitter, WhatsApp, e-mails, LinkedIn, etc), caracterizada por atos invasivos ou perturbadores da liberdade ou privacidade é punida com reclusão de 6 meses a 2 anos, além da multa, com aumento de metade se a vítima for criança, adolescente ou idoso, se duas ou mais pessoas praticarem o delito, se usarem arma ou se for contra mulher por ser mulher.

Obviamente que se o comportamento ultrapassa a linha do ato perturbador à privacidade, caracterizando propriamente ameaça física, psicológica ou ato restritivo à liberdade de locomoção, a conduta também se pune, mas não se exige que se chegue a tanto. Basta a simples invasividade, a perturbação reiterada à privacidade, que pode acontecer por mensagens diretas ou mesmo por comentários ou postagens publicadas no próprio perfil da vítima ou mesmo em perfis de terceiros, visando perturbar a privacidade de alguém, expondo-a a terceiros.

As décadas que se passaram desde o início deste processo não foram suficientes para mostrar a muitas pessoas que comportamentos criminosos no plano virtual não possuem salvo conduto. As técnicas de investigação se sofisticam cada vez mais e os instrumentos legais se tornam mais abrangentes e eficientes para proteger as pessoas e seus bens jurídicos. Esta nova lei ajuda a domar preventivamente estes “leões e leoas de internet”, que muitas vezes chegam a se esconder atrás de perfis falsos para dar vazão a seus ressentimentos e se consideram intocáveis, mas, no fundo, não passam de covardes.

 

 

 

 

Por Roberto Livianu, 52, é procurador de Justiça, atuando na área criminal, e doutor em direito pela USP. Idealizou e preside o Instituto Não Aceito Corrupção. Integra a bancada do Linha Direta com a Justiça, da Rádio Bandeirantes, é articulista da Folha de S. Paulo e do Estado de S.Paulo e é colunista da Rádio Justiça, do STF.

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