Opinião – As novas ondas da pandemia e o melhor pacote econômico possível

19/04/2021 21:44

Plano fiscal é fundamental
Renovar medidas sociais
Maior senso de urgência

Fachada do edifício-sede do Banco Central do Brasil, em Brasília

Desde o ano passado notamos que, embora a pandemia da covid-19 tivesse imposto vários desafios e alterações nos hábitos de consumo dos brasileiros, a inadimplência das famílias foi mantida sob controle. Desde agosto do ano passado, os indicadores de inadimplência estão em queda, e essa foi uma das grandes conquistas do Governo Federal com o auxílio emergencial: ajudou as pessoas consumirem itens básicos, pagarem contas e dívidas. As repactuações e os juros em níveis historicamente baixos foram adicionalmente relevantes para o quadro positivo da inadimplência.

O efeito do auxílio no ano passado pôde ser visto no bom desempenho anual do varejo, como já argumentamos nesse espaço. De outubro em diante, no entanto, o menor valor do benefício respondeu pelo arrefecimento das vendas do comércio a partir de novembro. O ano de 2021 começou com a segunda onda do vírus, e tem levado a novas restrições em diversas cidades. Com o fechamento das lojas não essenciais e o distanciamento social, novamente as empresas estão reduzindo seus quadros de funcionários e renegociando com fornecedores e bancos, além de renovarem a necessidade do crédito a baixo custo. É urgente retomar as medidas exitosas do ano passado, mas a cautela em relação ao orçamento e a novas rodadas de gastos têm dificultado o socorro às pessoas físicas e jurídicas. Falta senso de prioridade, já que sabemos da necessidade de expansão fiscal para mais socorro aos cidadãos. Mas o que se discute é o aumento dos recursos destinado às emendas parlamentares.

O comércio, embora tenha aumentado o volume de vendas em fevereiro comparativamente a janeiro deste ano, apresentou desempenho negativo nas demais bases de comparação. Infelizmente devemos ter um movimento negativo nos indicadores do mercado de trabalho do
setor terciário entre março e abril, pois os estabelecimentos estão fechados por determinação das administrações locais, mas as medidas de socorro não vieram no mesmo compasso. A expectativa das empresas pelo novo BEm e Pronampe é enorme.

Os indicadores de confiança de consumidores e empresários voltaram à trajetória de queda, demonstrando a desconfiança em relação à velocidade das medidas de amparo. Em meio a mais pessoas com dívidas no país, ainda temos queda na inadimplência, e a modalidade de renegociação é fundamental para explicar esse movimento, principalmente porque a partir de janeiro não tivemos auxílio emergencial e a inflação foi mais alta nos alimentos, artigos de higiene, combustíveis e energia, todos itens de subsistência. Fora as despesas típicas do primeiro trimestre, mesmo assim as pessoas reorganizaram seus orçamentos domésticos e conseguiram pagar as contas.

Pouco mais de 30% da renda das famílias está comprometida com o pagamento de dívidas hoje, mas a proporção de pessoas muito endividadas, ou com mais de 50% da renda direcionada para o pagamento dessas dívidas está menor do que no mesmo período do ano passado. As famílias estão resilientes na manutenção de um dos seus únicos ativos: o nome limpo na praça.

Nesse segundo momento da crise, o valor menor do auxílio emergencial sem dúvidas vai restringir o tamanho dos gastos no comércio. Os recursos certamente serão dedicados a dar uma folga no orçamento, com o pagamento das contas. Também nesse espaço já argumentamos sobre o auxílio ter ajudado a manter a inadimplência sob controle até aqui. Os juros baixos incentivaram o endividamento e os bancos sabem disso. Por esse e outros motivos igualmente importantes, o Banco Central (BCB) tem de ter o maior cuidado agora ao subir a Selic para patamares altos.

Além de olhar a dinâmica do endividamento, da renda e da inadimplência, os números do BCB sobre o hiato do produto estão bastante otimistas. A visão também favorável sobre o desempenho e as expectativas do mercado de trabalho tem destoado da atividade econômica, e ajudaram a justificar o aumento dos juros acima do aguardado até pelo mercado financeiro. Hoje, o mercado fala em tom pejorativo que o BCB está “atrás da curva” na condução da política monetária, mas isso não é um problema nesse momento. O Fed também está atrás da curva, pois sabe que, diante da enorme incerteza quanto a pandemia e a evolução da atividade, o mais importante é ajudar os cidadãos em manterem seus empregos e parte de sua renda, além de as empresas a sobreviverem.

Inclusive é consolidado na literatura e na prática dos bancos centrais que a política monetária opera com defasagens, as quais podem oscilar no tempo. Muitas vezes, o grau de incerteza nos cenários permanece elevado ao ponto de gerar alguma espera adicional pelas autoridades monetárias. O recado desse texto é que o pacote adotado no Brasil no ano passado foi o melhor possível, com auxílio emergencial, BEm, e Pronampe, que conformaram o verdadeiro Plano Marshall contemporâneo. Executar obras públicas não teria a mesma eficiência e rapidez. Os juros baixos e alguma sinalização de ajuste fiscal fazem parte desse pacote. Na crise mais difícil em pelo menos um século, em que a vida das pessoas está há um ano em jogo, temos aprendido com erros e acertos, mas sem dúvida o saldo da balança das medidas de resgate é positivo. Hoje precisamos do mesmo senso de urgência, que ainda não aconteceu por burocracias e desentendimentos entre os entes do Governo.

Um plano fiscal seria fundamentalmente importante para guiar a confiança dos agentes diante das novas e imediatas necessidades de aumento de gastos. É consenso de que precisamos renovar as medidas sociais mais rápido do que nunca, mas temos de indicar também um caminho de reorganização fiscal que oriente os agentes econômicos diante das permanentes incertezas. Foi isso que o Ministério da Economia fez no ano passado ao não abandonar o teto dos gastos, por exemplo, como muitos defendiam no contexto de calamidade pública.

A possibilidade de o vírus vir em ondas com novas cepas surgindo no mundo mantém o grau de incerteza elevado, e exige de nós pensar com muito cuidado nos caminhos das políticas monetária e fiscal.

 

 

 

 

Por Carlos Thadeu de Freitas Gomes, 73 anos, é economista-chefe da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo). Foi presidente do Conselho de Administração do BNDES e diretor do BNDES de 2017 a 2019, diretor do Banco Central (1986-1988) e da Petrobras (1990-1992)

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