Opinião – A banalização do termo ”genocida” é um ultraje às vítimas

03/05/2021 10:31

É preciso chamar as coisas do que elas são
Trump e Bolsonaro não são como Hitler
Comparações minimizam as tragédias
É uma afronta aos inocentes mortos

Este artigo, antes de tudo, é um tributo à memória de seres humanos que foram vítimas de um crime denominado e definido minuciosamente pela Organização das Nações Unidas.

Um crime contra a humanidade. Um crime hediondo, cujos perpetradores e seus regimes asquerosos não são nada menos do que monstros. Genocidas que massacraram milhões de pessoas ao longo da história. Este texto é para nos lembrarmos deles e de todo o seu martírio. Pessoas como Anne Frank, a judia vítima do holocauto nazista; o avô de Sosso Amiraliam, um dos 1,5 milhão de massacrados no genocídio armênio; Bobk Tamapa Biktopibha, uma das quatro milhões vítimas dizimadas no Holodomor, sob o jugo de Stalin.

Virou modinha agora no Brasil chamar os inimigos, sobretudo de direita, de “genocida”. Mas o que está faltando mesmo é respeito! Não respeito aos atacados. Respeito aos milhões e milhões que padeceram diante dessas brutalidades, ao longo da História.

O substantivo “genocídio” e do adjetivo “genocida” não podem ser utilizados como uma mera ênfase retórica para criticar políticos ou correntes que esse ou aquele deploram. Genocidas são monstros e genocídios são monstruosidades, crimes contra a humanidade, qualificados de forma bem categórica pela ONU.

Qualquer um tem o direito de odiar um político, de detestar um líder, de desejar a ele que tenha os piores infortúnios, de querer se livrar dele, de não querer vê-lo de jeito nenhum, de sentir azia só de imaginar a sua imagem, de trabalhar noite e dia para que seu governo acabe, de protestar, de vaiar, de falar mal dele ou dela. Isso tudo é do jogo democrático. Mas utilizar a palavra “genocida” não é algo que menospreza o alvo da ofensa. Menospreza as vítimas dessa selvageria, menospreza a magnitude dessa barbaridade, menospreza a dimensão maligna desse crime e, pior de tudo, suaviza, atenua, anistia historicamente os monstros que praticaram esses crimes contra a humanidade.

Sim, porque quando o crítico enfurecido chama o ex-presidente Trump de “genocida”, por tabela, ele está dizendo que Adolf Hitler e o nazismo são uma espécie de Trump. Ele está dizendo para as novas gerações que o presidente americano que reconheceu Jerusalém como capital de Israel e que não entrou em nenhuma guerra durante seu mandato é “igual” a Hitler, Hitler que criou uma máquina de extermínio de mais de seis milhões de judeus, homossexuais, ciganos, negros, “comunistas” e eslavos, sistematicamente assassinados em campos de concentração.

É preciso –urgentemente– dar o nome às coisas como elas são: não! Hitler não foi uma espécie de Trump. Hitler não foi uma espécie de Bolsonaro. Hitler não foi um presidente, por mais que alguém que odeie Trump, que presidiu uma democracia, por mais que alguém odeie Bolsonaro.

Hitler e o nazismo foram uma besta fera descomunal, uma monstruosidade, uma aberrarão, criminosos contra a humanidade. E quando se iguala ele a políticos convencionais, por menos que se goste deles, o que se está fazendo é uma redenção de Hitler, do Nazismo e uma afronta aos seis milhões de inocentes que foram eliminados por um regime desumano.

“Em 1946, a Assembleia da ONU definiu Genocídio como sendo ‘a recusa do direito à existência de inteiros grupos humanos (…) um delito do direito dos povos, em contraste com o espírito e os objetivos das Nações Unidas, delito que o mundo civil condena’, e determinou um projeto de Convenção para tratar do assunto. O projeto foi aprovado pela Assembleia Geral, em 09 de dezembro de 1948, e definiu o crime de Genocídio em seu artigo 2º da seguinte forma:

Artigo II – Na presente Convenção, entende-se por genocídio qualquer dos seguintes atos, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto tal:

(a) assassinato de membros do grupo;

b) dano grave à integridade física ou mental de membros do grupo;

c) sujeição intencional do grupo a condições de vida pensadas para provocar sua destruição física total ou parcial;

(d medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;

(e) transferência à força de crianças do grupo para outro grupo.”

Por favor, você pode odiar o presidente Bolsonaro, pode achar que ele deve ser derrubado, você pode não suportar ver a cara dele no noticiário, pode sentir as piores sensações só de ouvir a voz dele no ambiente onde estiver. Mas… genocida? Nem a mais elástica interpretação do tipo criminal, definido pela ONU, pode ser remotamente aplicada a qualquer coisa que o presidente da República jamais terá feito.

Você pode ter horror a ele e estar fulo da vida com a pandemia? Todo o direito! Mas culpá-lo por todas as mortes? Não é justo, assim como o Brasil experimentou surtos de dengue e de influenza na era Lula e Lula nunca foi nem poderá ser chamado de “genocida”. E assim como também o rei Felipe não pode ser chamado de “genocida” porque a Bélgica é o país com o maior número de mortes por milhão de habitantes, neste momento.

Atenção, pelo amor de Deus: genocida não é palavrão para xingar os outros! Genocida é um monstro muito específico, é um psicopata fora do normal, fora de série, um assassino industrial, um inimigo da humanidade, passível de ser condenado pelas Nações Unidas. Muito cuidado com essa palavra. Não por causa do alvo que você pretende atingir com ela. Mas pelas vítimas que foram dizimadas por esses criminosos. Elas merecem, no mínimo, que a memória delas seja lembrada com a devida reverência e a monstruosidade dos perpetradores das barbaridades que cometeram não sejam banalizada e verdadeiramente atenuada, diminuída, como se “genocidas” fossem apenas políticos detestáveis por alguns. Não, genocidas são monstros.

Genocidas pertencem a uma categoria execrável de seres que ultrapassaram todos os limites. E quando os comparamos mesmo a pessoas que alguns odeiam, o que estamos fazendo é redimindo os genocidas e desprezando aqueles e aquelas que foram brutalizados por eles. Xinguem, critiquem, odeiem quem vocês quiserem.

Mas alto lá com o uso da palavra “genocida”. As vítimas dessas atrocidade e suas famílias, pelo menos, merecem um mínimo de consideração.

 

 

 

 

Por Mario Rosa, 55 anos, é jornalista, escritor, autor de cinco livros e consultor de comunicação, especializado em gerenciamento de crises.

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