Opinião – Pé no freio dos juros

13/05/2021 15:05

Economista da CNC analisa mercado
Diz que Copom deve segurar juros
Objetivo é conter alta da inflação

Os dados mais recentes dos preços mostram um alívio na inflação ao consumidor no mês de abril. A inflação no atacado também arrefeceu, principalmente em função da queda nos preços dos produtos industriais. Por outro lado, o aumento sustentado nos preços de commodities têm pressionado os produtos agropecuários. Essa conjuntura de preços em desaceleração combinada com a atividade mais fraca esperada também para o segundo trimestre do ano, além da predominante incerteza em relação à pandemia, seguem sugerindo uma moderação no aumento dos juros.

Como se sabe, a trajetória da política monetária brasileira mudou, com o início do aperto monetário mais forte do que o esperado, na última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária). Naquele momento, meados de março, os dados apontavam maior pressão inflacionária este ano, o dólar beirava R$ 5,60, e as discussões sobre o Orçamento causavam agitação.

O BC (Banco Central) elevou as projeções para a inflação este ano, de 3,4% em dezembro, para 5% no último Relatório de Inflação, divulgado na última semana de março. O IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) ficaria 1,25 pontos acima do centro da meta, mas estaria dentro do limite superior para este ano, 5,25%. Mesmo assim, o BC aumentou de 8% para 41% a probabilidade de a inflação ultrapassar o limite superior da meta em 2021.

Os últimos dados do IPCA-15 divulgados pelo IBGE mostram que a inflação ao consumidor desacelerou em função do alívio dos preços administrados. A alta de 0,60% veio abaixo da mediana das expectativas (0,67%).

Os números reforçam o cenário de que a alta da inflação decorre de choques temporários de alguns preços, no caso mais recente da energia, com a alta dos preços do petróleo. Mas essas pressões não estão disseminadas, e o índice de difusão está menor. Temos a inflação de alimentos arrefecendo, embora alguns preços de commodities em alta estejam relacionados a retomada do crescimento das economias da China e dos EUA, e a pressão dos preços de petróleo começou a diminuir.

Ou seja, no curto prazo, o indicador geral e as aberturas do IPCA-15 estão bem comportados, mesmo com preços administrados e commodities podendo oferecer alguma pressão ao IPCA de 2021 e de 2022.

Além disso, com a decretação dos lockdowns em diversas cidades, a partir das últimas semanas de março, houve, de fato, piora nas perspectivas para o desempenho da atividade econômica no segundo trimestre, afetando a confiança dos empresários e consumidores.

O índice de confiança do empresário do comércio, da CNC, caiu em abril pela quinta vez, atingindo o quadrante pessimista. As expectativas dos comerciantes para o curto prazo pioraram, embora estejam na zona de avaliação otimista, impactando negativamente a intenção de investimentos e a contratação de funcionários pelo setor.

A intenção de consumo das famílias igualmente caiu em abril, com o agravamento da pandemia, lentidão na vacinação, que se refletem nos orçamentos dos consumidores e na maior cautela em relação ao consumo.

A sondagem da construção civil reforça a expectativa de desaceleração da atividade econômica na passagem do primeiro para o segundo trimestre. O Índice de Confiança da Construção, medido pela FGV, caiu pelo quarto mês consecutivo em abril, levando o indicador a patamar menor do que antes da pandemia.

A geração de emprego formal tem se mostrado resiliente, em que os dados do Caged seguem apontando aumento na demanda por trabalho no mercado formal, e reforçam a visão de que a piora na atividade é temporária. Ainda assim, a fragilidade no emprego e na renda ainda são uma realidade.

Mesmo com a reabertura dos serviços, os serviços prestados às famílias e o turismo só devem se recuperar plenamente com o aumento da cobertura vacinal do país, que só é esperada para o final do ano, quando EUA e China, por exemplo, estarão com a maior parte de suas populações imunizadas e reduzirão a demanda por vacinas e insumos.

O BEm (Benefício Emergencial de Manutenção do emprego) foi relançado e, mesmo com certo atraso, deve ajudar a manter os vínculos de emprego e pelo menos parte da renda do trabalho. O custo da nova etapa do programa está previsto em R$ 10 bilhões, financiado por abertura de crédito extraordinário, em que se espera que atinja até 5 milhões de acordos nos próximos 4 meses.

Todo esse contexto, piorado com a grande nuvem de incerteza, intensifica a necessidade de o Copom manter-se mais cuidadoso sobre uma nova alta de juros. O mercado já aposta em uma manutenção no ritmo do aperto monetário em maio, com elevação da Selic em 0,75 ponto percentual.

O IPCA-15 mostra inflação cedendo e dá certa tranquilidade ao Copom. Por isso, o Banco Central tem de ir devagar com a Selic, não só olhar os dados com maior senso crítico, como também atentar para os objetivos secundários do atual mandato, aprovado em conjunto com a autonomia do BC.

Os sinais temporários de pressões de inflação e a aprovação do Orçamento de 2021, além do e andamento da reforma tributária, ajudam a diminuir a incerteza fiscal. As próprias estatísticas da Covid também têm melhorado na margem, mesmo com muita incerteza no horizonte. Essa dinâmica é favorável ao cenário da inflação nos próximos meses.

A incerteza também ajuda a explicar o direcionamento do FED em relação a aumentos de juros nos EUA. O Banco já avisou que o objetivo é a geração de emprego e garantir a renda, com estímulos à atividade econômica. Por isso não deve aumentar os juros tão cedo, nem neste ano, talvez nem no próximo, mesmo com o anúncio do plano expansionista de gastos públicos com mais emissão de dívida, que pode resultar em inflação temporariamente mais elevada no país.

O choque inflacionário atual está transitório, ele pode ser mais ou menos persistente em algum momento do tempo, devido ao câmbio depreciado pela incerteza fiscal, e à valorização das commodities por conta da retomada econômica global que está acontecendo em fases. Mas não houve contaminação pelo índice geral de inflação, conforme mostram as taxas mais baixas dos grupos de despesas pessoais, educação, além de alguns serviços, que não sentem o impacto do dólar, uma vez que seus custos não absorvem os movimentos do câmbio. O grupo de alimentação é que talvez pressione um pouco mais a inflação, dado o cenário pro ciclo de commodities.

O crédito em 12 meses está em queda, de acordo com os dados do Banco central, e ficará mais caro com os juros mais altos. O endividamento em proporções elevadas também dificulta novas contratações de dívidas, e o medo das pessoas em relação às ondas e variantes da Covid naturalmente reduzem o ímpeto ao consumo de supérfluos.

Hoje, o que mais pode afetar a inflação no curto prazo vem menos dos fundamentos macroeconômicos e mais do risco com as questões políticas que influenciam a trajetória fiscal. E aí sim o risco fiscal vai afetar mais ou menos a dívida pública, como também o câmbio e a curva de juros, como temos visto. Mas a resolução do impasse sobre o Orçamento colaborou para uma queda dos prêmios de risco, o que afasta uma percepção ainda mais deteriorada das contas públicas. Com isso, podemos adotar um ritmo mais moderado na condução do aperto monetário.

 

 

 

 

Por Carlos Thadeu de Freitas Gomes, 73 anos, é economista-chefe da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo). Foi presidente do Conselho de Administração do BNDES e diretor do BNDES de 2017 a 2019, diretor do Banco Central (1986-1988) e da Petrobras (1990-1992)

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