Opinião – Quem fica e quem não fica é decisão do povo numa democracia

16/07/2021 15:23

A sensação é de desidratação crescente do patrimônio eleitoral do presidente, evidenciado nas pesquisas

O presidente Jair Bolsonaro mexendo no celular durante uma cerimônia no Palácio do Planalto

No domingo, em editorial contundente, o Estadão se posicionou de forma contundente, defendendo com convicção o impeachment do presidente da República, fazendo referências ao grave quadro de enfraquecimento democrático, diante da captura das instituições pelo Executivo Federal.

O texto do respeitado, prestigioso e centenário jornal brasileiro analisa declarações do presidente das últimas semanas dirigidas ao fã-clube do “cercadinho”. “Ou fazemos eleições limpas no Brasil, ou não temos eleições”. O jornal enaltece que, para Bolsonaro, eleições “limpas” significa eleições do jeito que ele quer com voto impresso, com sua vitória. Se não for assim, não vale e ele pode insuflar sua turma e atear politicamente fogo no país. Relembre-se que ele blefa pois afirmou sem nunca apresentar qualquer demonstração de fraude nas eleições de 2014 ou 2018.

E, como se sabe, 11 partidos importantes, detentores de quase 2/3 da representação política do Congresso, vieram a público se posicionar no sentido de que a proposição do voto impresso auditável é absurda. Ou seja: não passará, pois não terá os votos necessários para isto.

Como se não fosse suficiente, os ex-Procuradores-Gerais Eleitorais vieram a público também assumir clara posição em defesa da urna eletrônica nos moldes atuais, sistema que, aliás, já permite a auditabilidade por boletim de urna. Os representantes maiores do MPF nas últimas eleições chancelaram o pleno e efetivo funcionamento do sistema, que oferece toda a necessária segurança jurídica e é adotado em dezenas de países do mundo.

A sensação é de desidratação crescente do patrimônio eleitoral do presidente, evidenciado nas pesquisas, amplificada pelas devastadoras revelações que estão vindo à tona na CPI do Senado todos os dias, onde se vê um mar de lama de corrupção na aquisição de vacinas, que lamentavelmente contribuiu para o atraso nos procedimentos de compra, somando-se ao inimaginável negacionismo em relação ao próprio emprego das vacinas, do uso de máscaras e distanciamento social, que nos colocaram na vanguarda mundial do atraso.

Neste final-de-semana isto ficou bem nítido. Enquanto a Europa, que sofreu a onda da pandemia antes e a enfrentou com seriedade, responsabilidade e cientificismo tinha estádios lotados de torcedores dispensados do uso da máscara, tanto para assistir à final da copa europeia de futebol entre Inglaterra e Itália como de tênis em Wimbledon, assim como no basquete nos Estados Unidos, aqui ainda amargamos as restrições em decorrência do atraso, da falta de liderança federal, irresponsabilidade e não cientificismo no processo de tomada de decisão, que já nos levaram mais de 530 mil vidas brasileiras. E tivemos alguns meses para planejar nossa ação, pois fomos atingidos depois deles.

O que apareceu com força – que não se teve para liderar o país na crise da pandemia – foi uma nota pública sob pretexto de excessos verbais, assinada pelos chefes das Forças Armadas, dirigida ao Presidente da CPI, interpretada como um “cala boca” e ao mesmo tempo um possível salvo conduto ao presidente da República, que foi devidamente rebatida com o necessário vigor pelo presidente do Senado. Se levarmos em conta que a elevação da temperatura na CPI guarda direta relação com a focalização dos trabalhos na verificação dos escândalos de corrupção que vieram à tona, as coisas começam a ficar mais claras. Sem deixarmos de registrar que justamente nesta semana o presidente da CPI deu voz de prisão a uma testemunha.

Governistas criaram conveniente narrativa de que a CPI não teria credibilidade em virtude dos processos que pesam contra seu presidente e seu relator. E não se pode discutir que, de fato, os nomes de Renan Calheiros e Omar Aziz não são inquestionáveis. No entanto, o que interessa à sociedade é a verdade apurada, os fatos e eles não tem cor nem partido, por mais que os apoiadores do presidente esperneiem. Os fatos se impõem por sua própria força.

E além destes fatos, no mesmo domingo do editorial, pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha, que entrevistou 2074 pessoas presencialmente, aponta que para 70% delas há corrupção no Governo Bolsonaro. Em relação ao segmento feminino, o percentual sobe para 74%, no universo jovem, 78%, assim como na região nordeste.

Além disso, para 64% dos ouvidos, Bolsonaro sabia a respeito da corrupção. Entre jovens, 72%, e na região nordeste, 71%. E, pela primeira vez, a maioria das pessoas apoia o impeachment (54%).

Está cada vez mais difícil para o presidente repetir sua frase folclórica que a corrupção acabou ou que no seu Governo ela não existe, diante de tudo que se descortina a cada dia, havendo sinalização grave no sentido de que a seletividade imposta pelo fator propina pode ter sido decisiva para o atraso no processo de aquisição de vacinas.

Investigação profunda é o único caminho, com responsabilização dos culpados, inclusive de prevaricadores – até do presidente, se houver os elementos necessários. E respeito total à vontade soberana do povo nas eleições. Se o presidente for candidato e vencer, terá o direito de exercer o poder por mais quatro anos. Mas, se for vencido, deve respeitar a vontade do povo, mesmo que isto ocorra pelo sistema eleitoral atual, que conferiu a ele sete mandatos consecutivos de Deputado Federal nunca questionados.

 

 

 

 

Por Roberto Livianu, 52, é procurador de Justiça, atuando na área criminal, e doutor em direito pela USP. Idealizou e preside o Instituto Não Aceito Corrupção. Integra a bancada do Linha Direta com a Justiça, da Rádio Bandeirantes, é articulista da Folha de S. Paulo e do Estado de S.Paulo e é colunista da Rádio Justiça, do STF.

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