Opinião – Reforma tributária exige reforma ética

30/07/2021 12:18

”A maioria das concorrências públicas são sobre elevadas despesas de infraestrutura (…) este segmento um recorrente foco de desvios”

O Sistema Tributário Nacional foi instituído com a publicação da Emenda Constitucional nº 18 de 1965 à Constituição criada em 1946, momento que gerou a última grande Reforma Tributária no Brasil. Ou seja, desde que sou jornalista – lá se vão 55 anos – ouço falar nesse assunto. Porque, desde sempre, não foi feito o que deveria ser feito. Apenas “emendas”. Não é com remendos que se faz algo assim, de tamanha relevância para a vida das pessoas, para o desenvolvimento do País.

Você sabe quantas propostas de reforma tributária passaram pela Câmara Federal e pelo Senado nos últimos 55 anos? Não. Pois é, também desconheço. Embora atento ao tema, perdi a conta ao longo do tempo. Entretanto, saiba que apenas hoje o poder legislativo nacional brasileiro analisa mais de 100 propostas de alterações de impostos que tramitam, de modo fatiado, no Congresso.

Nesta oportunidade em que corre no parlamento federal mais uma Proposta de Reforma Tributária, é importante adequá-la à meta do crescimento econômico, desonerando a produção na medida do possível. Antes de tudo, torna-se imprescindível entendê-la como oportunidade de minimizar um dos mais graves problemas brasileiros: a corrupção no setor público. Não haverá política fiscal capaz de conciliar a receita de impostos com as necessidades de custeio e investimento dos governos, enquanto boa parte do dinheiro arrecadado estiver indo para os bolsos dos políticos desonestos.

Exemplo lamentável dessa criminosa cultura crônica que há décadas é praticada nos três níveis do poder executivo brasileiro, podemos observar nas ações da Controladoria-Geral da União (CGU). O organismo identifica fraudes em licitações de inúmeros cidades de todos os estados do País. Em média, pasme, mais de 80% das prefeituras pesquisadas apresentam problemas suspeitos. Essa estatística preocupa, pois a perspectiva do ponto de vista percentual no universo de 5.570 municípios no País aponta um cenário grave. Sem falar dos estados e do Governo Federal.

A maioria das concorrências públicas são sobre elevadas despesas com obras de saneamento básico, asfaltamentos, construções de escolas, postos de saúde e hospitais, e muito na terceirização de serviços – este segmento um recorrente foco de desvios. Honestidade e eficiência nesses gastos são garantia de uso adequado de recursos, por consequência da menor necessidade de tributação da sociedade. Constante fúria arrecadatória, corrupção e irresponsabilidade fiscal constituem o mais cruel inimigo da economia brasileira. Na verdade, matam pessoas como, agora, vimos nas compras governamentais de equipamentos, insumos e vacinas para o combate à Covid-19.

Diante da dimensão do problema, a mídia tem cumprido seu papel de revelar lamentáveis fatos à sociedade, permitindo que todos fiscalizem a aplicação do dinheiro público. Os jornalistas têm sido vítimas constantes de agressões e tentativas de desqualificação, quando administradores públicos reclamam não receber elogios e rejeitam críticas, denúncias. Como sempre digo, a imprensa existe para governados, não para governantes. Político que é honesto, capaz e trabalhador não faz mais do que sua obrigação. Não quer aplausos, não teme comentários. Seus atos são sua melhor campanha.

Transparência é a exigência básica para o êxito das ações de moralização do setor público brasileiro. União, estados e municípios têm a obrigação de gerir os seus respectivos orçamentos com muita correção e responsabilidade. No caso específico das concorrências, é básico respeitar, com absoluto rigor, o que está definido na Lei 4.253/2020, que substituiu a Lei das Licitações 8.666/1993, a Lei do Pregão 10.520/2002 e o Regime Diferenciado de Contratações RDC – Lei 12.462/11. Este é o caminho para a aprovação das contas públicas, pelos organismos competentes de fiscalização e auditoria e, também, pela sociedade, cuja concordância é essencial nas democracias. Lei é para ser cumprida. Se é ruim ou se ficou obsoleta, que seja mudada. Mas, enquanto for a vigente é para ser respeitada.

Não há mérito algum em honrar, na administração pública, os compromissos inerentes aos cargos eletivos e, sobretudo, a confiança depositada em cada voto dos cidadãos. Realizar todos os processos dentro da lei é uma conduta obrigatória em respeito à população. A partir dessa natural conjectura, está nítido o compromisso que governos e parlamentos, nos três níveis, têm a obrigação de fazer. Haverá eleições no próximo ano, mais uma oportunidade de aprimorar a democracia, tendo como principal objetivo a honestidade e o compromisso daqueles que disputam nosso voto.

Reforma tributária eficaz somente poderá ser feita se for possível orçar quanto o País, os estados e os municípios de fato precisam para cumprir com todas obrigações que têm com a sociedade – no custeio e nos investimentos. E sob visão muito realista e honesta. Também cabe elaborar eficaz programa para liquidação de dívidas (Refis) e de ingresso dos que não estão contribuindo. A gestão pública não pode estar contaminada pelo vírus da roubalheira, que exige cada vez mais impostos e consome malas e sacos de dinheiro, recursos que poderiam gerar empreendimentos, criando empregos e promovendo equilíbrio na distribuição de renda, garantindo na prática o que os políticos pregam apenas nos discursos de campanha.

Reforma Tributária, como as demais reformas ainda pendentes, é tema essencial para todos nós. Não pode seguir sendo uma colcha de retalhos, mas sim, como o Brasil merece, uma responsável adequação entre a necessidade e o que, de modo justo, a sociedade pode contribuir para uma aplicação honesta e produtiva na busca de qualidade de vida para todos. Mais saúde, educação, trabalho, moradia, cultura e desenvolvimento, com liberdade e progresso individual e coletivo. Quando os tributos são justos, não há sonegação. Cresce a arrecadação, diminui a inadimplência e há desenvolvimento.

 

 

 

 

Por Ricardo Viveiros é jornalista, escritor e professor. Doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e autor de vários livros, entre os quais: “Justiça Seja Feita”, “A Vila que Descobriu o Brasil”, “Pelos Caminhos da Educação” e “O Poeta e o Passarinho”.

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