Opinião – Agrotóxicos químicos e biológicos são sinérgicos

14/10/2021 07:40

”Tal lerdeza no registro de novos produtos agrotóxicos coloca o Brasil na rabeira dos concorrentes globais”, diz autor

Em 2019, de 32 novos ingredientes ativos de agrotóxicos à espera de aprovação no Brasil, 19 já estavam registrados nos EUA e no Canadá, segundo professor.

Você conhece algum medicamento novo que seja pior que o antigo? Um antibiótico, por exemplo, menos eficiente? Claro que não. A cada novidade farmacêutica, surgem vantagens na luta contra as doenças humanas.

Por que, então, muitos temem o registro de novos produtos agrotóxicos? Poderia acontecer de os recentes pesticidas representarem uma regressão tecnológica contra pragas agrícolas? Jamais.

Quem garante é o conhecimento científico. Cálculos do professor Caio Carbonari (Unesp/Botucatu) indicam uma queda de 37% no Quociente de Impacto Ambiental (EIQ, na sigla em inglês), entre 2002 a 2017, nas 4 principais lavouras do Brasil (milho, soja, cana e algodão). Ou seja, na prática, diminuiu o risco, de saúde e ambiental, do controle fitossanitário.

Carbonari mostrou que, em 2019, existiam 32 novos ingredientes ativos de agrotóxicos que aguardavam registro no Brasil. Alguns esperam na fila há anos. Pois bem. A média do EIQ deles é 42% menor que os pesticidas em uso na agricultura. Quer dizer, são mais seguros.

Este é um importante argumento utilizado por quem defende alterar a legislação sobre a matéria, conforme propõe o PL 6299/02, que deve esquentar esta semana o Congresso Nacional. A regra atual, estabelecida há mais de 30 anos, tem causado enorme demora no aceite das inovações tecnológicas.

Tal lerdeza no registro de novos produtos agrotóxicos coloca o Brasil na rabeira dos concorrentes globais. Basta dizer que, daqueles 1O gráfico, elaborado pelo professor Carbonari, permite conferir a melhoria da eficiência dos agrotóxicos no Brasil. Os ingredientes ativos estabelecidos como prioritários, mas ainda sem registro no Mapa (Ministério da Agricultura), são os mais vantajosos: a dose média, por hectare de pulverização, representa apenas 9% do volume aplicado pelos mais antigos defensivos.

Não poderia ser diferente. Qual empresa competitiva, afinal, lançaria no mercado produtos piores que os existentes? Há uma 2ª questão fundamental para entender as mudanças técnicas pretendidas pelo PL 6299/02. Trata-se da diferença entre os conceitos de “perigo” e de “risco” de substâncias químicas.

Perigo é uma característica intrínseca das substâncias. Existem moléculas químicas cancerígenas, outras teratogênicas. Mas o perigo delas pode ficar latente, não se manifestar, dependendo de variadas circunstâncias. Vale para outras situações. Por exemplo, dinamite é um explosivo perigoso. Mas inofensivo se você não se aproximar dele.

Risco se mede diferente. Risco é o resultado da exposição das substâncias químicas aos seres humanos ou ao meio ambiente. O risco, portanto, depende da situação, do contato, do tempo e da “dose” da substância. Substâncias muito perigosas podem ter baixo risco. Metodologias científicas determinam a toxicidade real dos elementos.

Natália Pasternak trata desse delicado assunto se referindo aos resíduos de agrotóxicos nos alimentos. Em artigo na revista Questão de Ciência, a insuspeita cientista da USP explica: “Algumas substâncias fazem mal em doses muito pequenas, como toxina botulínica. Uma pequena dose da substância, produzida por uma bactéria, pode matar. No entanto, doses ainda menores são usadas, com segurança, na medicina. Afirmar, portanto, que não existe dose segura de uma determinada classe de moléculas (como) a das moléculas sintéticas usadas na agricultura, é uma generalização, no mínimo, inverossímil e no limite, perigosa”.

Pois bem. A proposta de alteração em debate no Congresso Nacional propõe substituir a classificação do “perigo” pela “análise de risco” dos ingredientes químicos utilizados no controle de pragas. Segue, dessa forma, conceitos reconhecidos internacionalmente.

Por fim, preste atenção nisso. A modernização do uso de pesticidas agrícolas não contraria a forte tendência, extremamente positiva, verificada no controle biológico de pragas.

Vejam só. Em 2020, o Ministério da Agricultura, além dos químicos, também bateu o recorde histórico no registro de produtos biológicos –foram 76 novos processos tecnológicos.

Existem já no país 114 defensivos fitossanitários baseados em organismos vivos, com uso aprovado, inclusive, para agricultura orgânica. Foram desenvolvidos por 77 empresas brasileiras.

Mas, cuidado, não erre o raciocínio. As multinacionais, lideradas pela Syngenta, também entraram firme nesse promissor mercado dos biológicos.

A venda total de produtos biológicos no Brasil deve crescer 33% este ano. E sabem qual o setor que mais tem demandado controle biológico? Agricultura familiar, certo? Errado. É a sojicultura. Sim. A commoditie leguminosa foi responsável por 44% do mercado de biológicos em 2020.

Existe, na Câmara dos Deputados, um outro projeto de lei (PL 6670/16) que institui a “política nacional de redução de agrotóxicos”. Faz todo o sentido. Deveria ser votado junto com aquele que foca no registro de pesticidas. Suas temáticas são sinérgicas.

Biológico x químico. Familiar x empresarial. Mercado interno x exportação. Ruralista x ambientalista. Cuidado com as polarizações idiotas.

Elas mais enganam que explicam. Agradam à política da discórdia. Mas nada ajudam na construção do futuro sustentável do agro.

Nem do país.

 

 

 

 

Por Xico Graziano, 67, é engenheiro agrônomo e doutor em Administração. Foi deputado federal pelo PSDB e integrou o governo de São Paulo. É professor de MBA da FGV e sócio-diretor da e-PoliticsGraziano. É o atual secretário do Meio Ambiente de IlhaBela.

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