Opinião – A jóia do agro

05/10/2021 14:16

”Veja como é nobre a missão dessa gente que dá de comer às pessoas. Nada se compara a isso, não. Aprendi e guardei para sempre a lição”

Campo de plantio de milho próximo a Brasília: por trás de qualquer garfada, há uma imensa cadeia produtiva em jogo. Foto: Sérgio Lima-Poder360

Você compra uma cerveja, um suco, um café, come um hambúrguer com batata frita ou um bife a cavalo bem caprichado na hora do almoço. Por acaso já parou para pensar que comprar e consumir comida é antes de tudo uma relação de confiança? Quando alguém compra alimento in natura ou processado, na feira ou no supermercado, simplesmente confia. Uma mãe de família dá ao seu bebê uma papinha, uma fruta ou um caldinho de carne e o faz confiando no produto e no produtor, cuja nobre missão é de alimentar as pessoas.

O consumidor da cidade confia no homem do campo. Eles se entendem sempre que alguém vai ao bar, ao supermercado, à feira livre ou, por exemplo, compra roupas de algodão. Quando comemos, por trás de cada garfada há enorme cadeia produtiva iniciada com uma sementinha, que vira planta, cresce e é colhida, depois é transportada em caminhões até os centros de distribuição ou fábricas para serem processadas. Toda vez que um cidadão come um bife, uma salada ou uma feijoada, movimenta este mundo fantástico, cheio de tecnologia, de inovação, mas também repleto de muita coragem e fé.

Neste país movido a agro, a joia da coroa é a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, nossa CNA. No último dia 27 de setembro ela completou 70 anos como a maior e mais representativa entidade do agronegócio brasileiro. Em 2019, a Universidade de Cambridge publicou o livro “Feeding The World”, dos professores Herbert S. Klein e Francisco Vidal Luna, um calhamaço de 500 páginas que descreve em detalhes como o Brasil se tornou um dos 3 maiores players mundiais na produção de alimentos, imprimindo enorme transformação na agricultura tropical graças ao empenho e obstinação dos nossos líde.

A CNA foi protagonista desta conquista iniciada há mais de meio século com a liderança de homens como o ex-ministro da Agricultura (1974-1979) e ex-presidente da CNA (1987-1990) Alysson Paolinelli, indicado ao Nobel da Paz pelo extraordinário trabalho de ajudar os agricultores a produzirem mais e melhor, sempre fiel ao seu lema: “Barriga vazia, quando não mata, gera migrações e guerras pelo mundo”.

Paolinelli é um brasileiro merecedor de toda reverência pelo seu legado e exemplo de até hoje, aos 85 anos, seguir dando seu melhor como presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Milho (Abramilho). Sob sua batuta a agricultura brasileira decolou e hoje não tem limites nos quesitos qualidade, produtividade e segurança alimentar.

A ministra Tereza Cristina tem dito e repetido que a pandemia não deixou o Brasil sem comida, porque os produtores rurais jamais abriram mão da missão de produzir. Eles foram em frente, plantando e colhendo, mantendo a oferta de comida nas prateleiras dos supermercados, garantindo a paz social em todas as regiões do país. Num Brasil de tantas desigualdades e necessidades, o abastecimento regular tem sido um porto seguro para toda a sociedade.

O trabalho eficiente dos líderes da CNA investindo na modernização permanente do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), aliado ao progresso científico puxado pela Embrapa e centros de ensino e pesquisa como a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz (Esalq) e as universidades rurais, além da fiscalização eficiente do Ministério da Agricultura, gerou esta saudável relação de confiança entre quem produz e quem consome alimentos no Brasil.

Não importa se a comida vem da agricultura familiar ou dos grandes produtores. A relação de confiança é um patrimônio, uma riqueza e um ativo social, que muitos dos nossos adversários e competidores tentam denegrir e macular com narrativas negativas, muitas delas completamente falsas, veiculadas principalmente na Europa e nos Estados Unidos.

O baiano João Martins da Silva Junior, atual presidente da CNA, esbanjou sabedoria ao valorizar esta relação de confiança e atuar para que produtores e consumidores possam se conhecer cada vez mais e melhor. Martins tem sido uma força tranquila e firme na defesa e promoção da paz no campo e na ampliação e consolidação dos nossos mercados em regiões estratégicas como a Ásia, onde hoje estão os maiores consumidores de alimentos do planeta. Sob sua liderança de homem maduro e experiente, a CNA entrou de corpo e alma na campanha Agro Fraterno, levando mais de 500 toneladas de comida para famílias que sofrem com a fome nestes tempos de pandemia. Reeleito por unanimidade em setembro, o presidente da CNA e sua diretoria têm sido um exemplo de guerreiros do bom combate.

São gente da mesma cepa da minha tia Zelma Simões Grossi, filha de uma família de agricultores da região Noroeste de São Paulo. Ele me ensinou a admirar e respeitar o agro brasileiro com aquele seu entusiasmo arrebatador quando falava de plantar e colher. Amando Simões, seu pai, fora diretor do antigo Instituto de Café de São Paulo e um grande cafeicultor que, jurava ela, plantou 1 milhão de pés de café. Eu ficava horas ouvindo suas histórias do café, das lendas, dos escravos e dos colonos italianos.

Alegre, rechonchuda, Tia Zelma era dona de um coração enorme, uma inteligência rara e fazia jus ao título de melhor amiga da minha avó Maria, que durante décadas comandou o Cartório do 2º Ofício de Registro de Imóveis de Bauru.

Perdi a conta de quantas vezes fui até a fazenda Morro Alto, em São Manuel, com meu tio Constantino Grossi ao volante da sua caminhonete, eu no meio e tia Zelma na janela do passageiro me ensinando sobre cada palmo de chão plantado. “Aqui é sorgo, ali é milho. Seu tio vai plantar cana ali pra picar com capim e guardar no silo pra invernada”, lá ia ela descrevendo e apontando.

No Morro Alto tinha piscina de água corrente desviada de um riacho. Esta mesma água era usada para lavar o café, que depois secava no terreirão com piso de tijolos de barro. Os almoços eram puro requinte, fogão de lenha, frango, arroz e feijão, lambari frito. Outras vezes tinha pastel de ovo, enorme e recheado com um ovo inteiro, carne, azeitona e outros temperos que davam toque refinado à iguaria fritada na banha de porco. E enquanto cozinhava, ela sempre repetia: “Meu filho, veja quanta coisa boa temos aqui. Veja como é nobre a missão dessa gente que dá de comer às pessoas. Nada se compara a isso, não”. Aprendi e guardei para sempre a lição.

 

 

 

 

Por Marcelo Tognozzi, 61 anos, é jornalista e consultor independente. Fez MBA em gerenciamento de campanha políticas na Graduate School Of Political Management – The George Washington University e pós-graduação em Inteligência Econômica na Universidad de Comillas, em Madrid.

 

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