Opinião – Por que essa crise energética é diferente?

20/10/2021 14:15

Moinhos de energia eólica: governos vêm investindo em fontes de energia autônomas para se tornarem menos dependentes do preço das commodities

Imagem: distelAPPArath (via Pixabay).

Os meses de seca que se estendem no Brasil estão ficando cada dia mais preocupantes. A crise hídrica é a maior responsável pela alta na conta de luz e a inflação, com prejuízos para a população e risco para investidores. Do outro lado do mundo, a série de desastres naturais no continente asiático desestabilizou a matriz energética de vários países, contribuindo para o aumento da demanda do gás natural.

Na Europa, a baixa na oferta e a alta demanda por gás também têm contribuído para um encarecimento expressivo na conta de luz. O aumento de quase 400% no preço do gás natural continua gerando insegurança energética no continente, enquanto governos se esforçam para achar alternativas rápidas e viáveis para reverter seus efeitos e estabilizar os preços de energia.

A culminação de todas essas crises mostra, acima de tudo, a forte e persistente dependência da economia mundial da indústria fóssil. Faltando menos de um mês para a 26ª edição da Conferência das Partes (COP26), em Glasgow, membros da comunidade climática orientam países a considerarem soluções alternativas ao petróleo e a não recuarem nos respectivos compromissos climáticos.

Vale lembrar que desastres naturais, incluindo as secas e enchentes, estão diretamente ligados ao aumento da temperatura e à acumulação de CO2 na atmosfera. No caso do Brasil, o aumento contínuo do desmatamento também interfere na estrutura hídrica do país, impedindo o reabastecimento natural dos rios. Portanto, é necessário distinguir entre soluções a curto prazo para aliviar o fardo financeiro da população e investimentos contínuos em usinas poluidoras, que contribuem ativamente para o agravamento dessas e de futuras crises.

Em antecipação aos 3 novos leilões de contratação de energia no Brasil até o final do ano, o equilíbrio entre diferentes fontes de energia e o investimento no longo prazo é primordial. O aumento da participação das usinas fósseis para suprir o vácuo na demanda de energia das regiões sudeste, sul e centro-oeste não deve ser visto como uma solução a longo prazo para a crise hídrica. Investimentos em tecnologia de armazenamento e linhas de transmissão que transportam o potencial da energia renovável do Nordeste para o sudeste e sul do país representam soluções mais limpas, baratas e duradouras para complementar a escassez da oferta dessas regiões.

Líderes em políticas públicas green, algumas soluções propostas por governos da União Europeia incluem o investimento em hidrogênio verde como substituto para o gás natural. Considerada parte importante para o plano de recuperação econômica Next Generation EU na União Europeia, a crescente necessidade de fontes de energia autônomas aumenta os incentivos para a comercialização.

A curto prazo, alguns governos têm utilizado a capacitação dos fundos do mercado de carbono europeu (ETS) para subsidiar as contas de luz da população, enquanto outros têm implementado tetos na tarifa impostas pelas distribuidoras – medidas sociais importantes para proteção do consumidor e recuperação econômica.

Assim como em 2001 no Brasil, crises de energia ao redor do mundo não são novidade. Há anos, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep+) tem exercido poder de mercado e manipulado o preço das commodities conforme o interesse dos produtores. Cientes desse perigo, governos vêm investindo em fontes de energia autônomas como solar, eólica, nuclear e tecnologias de armazenamento que permitem uma certa independência das commodities.

A crise de agora reforça a importância e o acerto desses investimentos e mostra que a dependência do petróleo está causando muito mais danos que benefícios a longo prazo. É preciso que países resistam à tentação de investir em medidas paliativas e poluidoras a curto prazo e foquem na evolução das matrizes energéticas para um futuro mais limpo e seguro.

 

 

 

 

Por Julia Fonteles, 26 anos, é formada em Economia e Relações Internacionais pela George Washington University e é mestranda em Energia e Meio Ambiente pela School of Advanced International Studies, Johns Hopkins University. Criou e mantém o blog “Desenvolvimento Passo a Passo”, uma plataforma voltada para simplificar ideias na área de desenvolvimento econômico.

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