01/11/2021 07:21
”E no final do dia, para se ter bife no prato, é preciso ter dinheiro no bolso”
As exportações de carne bovina para a China estão suspensas desde o dia 04 de setembro e, próximo de completar 60 dias desde o início do embargo, a retomada do comércio é incerta, o preço do boi está ladeira abaixo e os consumidores daqui ansiosos pelos descontos no balcão dos açougues. Recentemente, uma pesquisa mostrou que o brasileiro está comendo cada vez menos carne bovina e as razões são inúmeras, de opção à renda.
Escolhas à parte, a renda é um fator primordial na hora de comprar a proteína, seja no Brasil ou na China. Ao cruzar os dados da PIB per capita chinês com as exportações de carne brasileira para lá, percebe-se uma correlação forte entre os dois fatores. Até 2013, a exportação de carne para a China era bem tímida e não representava mais do que 10% do faturamento total das vendas externas brasileiras.
Foi a partir de 2018 que este cenário mudou, e pouco mais de dois anos as vendas já representavam metade do montante total. Entrou nesta conta a peste suína, que reduziu consideravelmente a oferta de carne suína na Ásia, a principal fonte de proteína deles.
Mas, paralelamente, vimos que o PIB per capita na China passou de US$ 959 em 2000 para US$ 10,5 mil em 2020. Em 2015 o PIB per capita chinês já está em 8,5 mil, justamente no ano que a participação do país nas exportações de carne bovina brasileira rompeu a casa dos 10%.
Do lado de cá do oceano, a renda da população está caindo desde o início da pandemia e o alto índice da inflação está limitando o consumo das famílias. A combinação é perfeita para que o brasileiro troque a carne vermelha por outras fontes de proteína, inclusive pelo ovo.
Vale lembrar que se o preço do boi aumentou lá na fazenda, os custos também aumentaram. Não tem ninguém nadando de braçada na atual situação. E neste cenário, os elos da cadeia ainda encontram espaço para troca de acusações, como se achar um culpado fosse resolver o problema. Sobrou até para o Ministério da Agricultura, que está fazendo o dever de casa, negociando com as autoridades chinesas, mas o pano de fundo da discussão está muito além do mal da vaca louca, suposto motivo do embargo.
Entram na lista o protecionismo chinês para impulsionar as vendas internas de suínos, a tradicional habilidade asiática para negociar preços e até mesmo outras mercadorias, como tecnologia 5G. Nosso mercado da carne precisa se fortalecer internamente e buscar alternativas externas para não se tornar refém de poucos consumidores. E no final do dia, para se ter bife no prato, é preciso ter dinheiro no bolso.
Por Luciano Vacari é gestor de agronegócios e diretor da Neo Agro Consultoria.