Opinião – O santo é de barro

03/11/2021 07:44

Fachada do Banco Central: Copom elevou a taxa Selic em 1,5 ponto na última reunião. Mais do que isso seria excessivo, segundo o articulista

Sede do Banco Central do Brasil. Imagem-divulgação.

Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central elevou a Selic em 1,5 pontos, a maior alta em pontos desde dezembro de 2022, conduzindo a taxa básica à 7,75% ao ano. Nas semanas que antecederam a decisão, número crescente de analistas –a maioria– já esperava que o aperto necessário não seria mais de 1,25 pontos, mas de 1,5 pontos. Isso se concretizou. A deterioração da percepção fiscal injetou ainda mais volatilidade nas variáveis de risco, câmbio, bolsa, juros futuros, mesmo com o desempenho mais positivo das contas públicas.

A inflação ao consumidor segue elevada, com alta dos preços acima do esperado, e pressões adicionais na inflação subjacente que seguirão impedindo o cumprimento das metas de inflação no próximo ano.

Ao mesmo tempo, indicadores da atividade econômica mais recentes divulgados desde o último encontro do Copom mostram que a evolução da atividade está abaixo da esperada. Soma-se a isso, o aumento do risco de elevação dos juros nos mercados desenvolvidos, como reação dos bancos centrais à persistência inflacionária também nessas economias.

Esse resumo do comunicado mostra mesmo que os cenários para inflação e atividade estão piores, ainda que tenhamos tidos o 1º superávit primário nos últimos 9 anos.

A alta mais pronunciada da taxa básica de juros, de fato, está em linha com o principal compromisso do Banco Central –tentar cumprir o regime de metas– mas é ainda uma reposta ao suposto fim do compromisso com o teto dos gastos, a principal âncora fiscal que limita o gasto público.

Ocorre, porém, em setembro tivemos o melhor saldo das contas do governo geral para meses de setembro desde 2012, superavit de R$ 302,6 milhões, melhor do que as expectativas indicavam. Esse resultado é fruto de menores gastos com a pandemia, e recorde na arrecadação federal. No ano, registramos déficit de R$ 83 bilhões, porém bem abaixo dos R$ 677 bilhões negativos apurados em 2020.

É preciso ir devagar para não quebrar o santo. Para derrubar a inflação atual estamos em risco de também abater a economia, e isso não é bom para ninguém, ainda mais em ano eleitoral.

Era e é inevitável um aperto mais rigoroso para ancorar melhor as expectativas da inflação no futuro, mas quando o Banco Central fala que a política monetária vai avançar ainda mais no território contracionista, é preciso ter muito cuidado com essa interpretação.

Alguns analistas seguem apontando que a alta da Selic deve ser de 2 pontos. É um aumento excessivo, na minha visão.

Vale notar também que alguns cálculos indicam que o impacto de um aumento de 3 pontos na Selic no serviço da dívida pública será maior do que o que será poupado com os precatórios no próximo ano, por exemplo.

O BC é independente também do mercado, e por isso tem seu ritmo próprio. Os custos mais elevados dos juros da dívida também são pagos pelo consumidor, no final das contas. Por isso também que o Fed, por exemplo, não cede às pressões do mercado.

É tamanha a importância da comunicação com a sociedade, e o Bacen poderia ainda estar preparando melhor todos os agentes, além do mercado financeiro, sobre suas decisões de política monetária. Isso quer dizer encontros e palestras abertas, e não somente bilaterais, como tem frequentemente ocorrido.

No ano que vem conviveremos com inflação alta, juros de quase 2 dígitos (se não de 2 dígitos de fato) e crescimento mais baixo. Se pesarmos a mão nos juros o santo quebra, e o caminho da estagflação será infelizmente inexorável.

 

 

 

 

Por Carlos Thadeu de Freitas Gomes, 73 anos, é economista-chefe da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo). Foi presidente do Conselho de Administração do BNDES e diretor do BNDES de 2017 a 2019, diretor do Banco Central (1986-1988) e da Petrobras (1990-1992).

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